Por que o terror é o gênero mais criativo do cinema atual
Enquanto blockbusters apostam repetidamente em heróis, universos compartilhados e continuações infinitas, o gênero segue por outro caminho
Um dos gêneros mais antigos do cinema, o terror sempre dividiu opiniões. Para alguns, é apenas susto fácil. Para outros, arte pura e, hoje, talvez o território mais fértil e inovador da indústria.
Enquanto blockbusters apostam repetidamente em heróis, universos compartilhados e continuações infinitas, o terror segue por outro caminho: arrisca, provoca e obriga o público a pensar.
A força criativa do gênero não é novidade. Desde o início da história do cinema, o terror testou limites. Nos anos 1920, produções como Nosferatu já exploravam sombras, silêncios e enquadramentos inusitados para construir tensão.
Nas décadas seguintes, Psicose e O Exorcista mostraram que o medo podia ser psicológico, simbólico e social, abrindo espaço para debates que extrapolavam o sobrenatural.
Parte dessa vitalidade vem da independência. O terror nunca precisou de grandes orçamentos para sobreviver. Ele nasceu da criatividade e continua impulsionado por ela. Quando outros gêneros dependiam de efeitos caros e estruturas robustas, o terror seguia inventando soluções simples, porém eficazes.
O medo também muda com o tempo, e o gênero acompanha essas transformações. Nos anos 70, os assassinos mascarados refletiam o aumento da violência urbana.
Nos anos 80, o horror dialogava com a ansiedade em torno da tecnologia e das mudanças no corpo humano. Hoje, o foco se deslocou para questões internas e sociais.
Produções como Corra! e Nós tratam de racismo e desigualdade; O Babadook aborda o luto; Hereditário e Midsommar exploram traumas, rupturas familiares e manipulação emocional. O terror se tornou, de certa forma, um espelho distorcido e muito preciso da realidade.
Outra razão para sua força criativa está na liberdade. Um diretor pode fazer um filme de terror barato e, ainda assim, alcançar impacto global. Atividade Paranormal é o exemplo mais citado: custou pouco e se tornou fenômeno mundial.
A Bruxa e Midsommar ajudaram a colocar o estúdio A24 como referência em inovação e nomes como Jordan Peele, Ari Aster e Robert Eggers consolidaram o terror como espaço de autoria dentro do cinema comercial.
É também um gênero que exige domínio da linguagem cinematográfica. O terror fala com o corpo, manipulando luz, som, silêncio e ritmo. Cada sombra, cada ruído e cada corte têm função narrativa. Stanley Kubrick entendeu isso em O Iluminado.
Ari Aster levou essa precisão ao extremo em Hereditário. Quando tudo funciona em conjunto, o efeito permanece na memória e nos pesadelos.
Apesar das discussões recentes que tentam separar “terror inteligente” de “terror comercial”, o gênero respira por causa da diversidade. Franquias como Invocação do Mal e Pânico mantêm o susto clássico vivo, enquanto filmes como Midsommar ampliam os limites estéticos e temáticos.
Essa convivência permite que o terror continue surpreendendo, algo raro no cinema atual.
Hoje, o gênero concentra algumas das vozes mais originais em atividade. Jordan Peele usa o horror para discutir identidade e poder. Ari Aster transforma desconforto em poesia visual. Robert Eggers combina rigor histórico e simbolismo extremo.
Jennifer Kent mostrou, com O Babadook, que o medo também pode ser profundamente humano. É difícil encontrar outro espaço no cinema que ofereça tanta liberdade autoral.
E o futuro segue aberto. Novas plataformas, como o streaming e as redes sociais, influenciam o modo de contar histórias. Produções recentes, como Talk to Me e Smile, provam que ainda há terreno para invenção, agora com temores ligados ao digital, ao psicológico e ao cotidiano.
O público busca experiências que ultrapassem a tela, e o terror é justamente o gênero mais preparado para oferecer isso.
No fim, o medo nunca foi apenas sobre sustos. Ele revela o que escondemos, o que evitamos enfrentar, o que realmente nos inquieta. Em um momento em que tantos gêneros parecem previsíveis, o terror segue sendo o espaço onde ainda é possível sentir algo genuíno.
No cinema contemporâneo, essa talvez seja a forma mais pura e poderosa de criatividade.
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