‘Não é bom pegar uma pessoa com popularidade e ir atrás das ideias’, diz Cristovam sobre Huck

Senador esteve em Anápolis para agenda bem movimentada, que terminou com lançamento de um livro pela UniEvangélica sobre seus pensamentos

Carlos Henrique Carlos Henrique -

Considerado um estadista por muitos e ‘sonhático’ demais por outros tantos, o senador pelo Distrito Federal Cristovam Buaque (PPS) fez um verdadeiro tour em Anápolis nesta sexta-feira (24).

Logo cedo ele foi recebido por lideranças do partido na cidade, visitou o prefeito Roberto Naves (PTB), almoçou com empresários na ACIA, conheceu a FAMA e participou do lançamento de um livro da cátedra de Direito da UniEvangélica, cujo o pensamento central sobre direitos humanos que norteia os dez capítulos da publicação são do próprio Cristovam.

Há pouco menos de um ano do primeiro turno das eleições gerais de 2018, Cristovam nutre o desejo de voltar a ser candidato à Presidência da República. Intimamente, reconhece que dificilmente ganharia o pleito, mas para ele o mais importante será participar do debate para qualificá-lo e forçar que a discussão de projeto de país que pensa no futuro a médio e longo prazo realmente aconteça.

Foi então com esse pernambucano, de fala doce e sorriso fácil, que a reportagem do Portal 6 conversou dentro do carro que o levava para a ACIA.

Durante a breve entrevista, Cristovam comenta sobre a possível aventura do PPS em querer bancar Luciano Huck como candidato ao Palácio do Planalto, diz que o Brasil precisa de mais união para conseguir projetar um futuro claro, fala sobre hater’s na internet, sustenta um sofisticado raciocínio para desmantelar a tese de ‘golpe’ no impeachment de Dilma Rousseff (PT) e reforça a defesa de uma de suas mais enfáticas teses para melhorar a qualidade da educação pública no Brasil.

Portal 6 – O senhor continua defendendo a federalização dos ensinos fundamental e médio para resolver o problema da falta de qualidade no ensino básico?

Cristovam Buarque Continuo defendendo que a única saída para ter a escola de qualidade que o Brasil precisa, e igual para todos, é por meio do Governo Federal assumindo a responsabilidade da educação. A palavra federalização é um pouco ambígua, então, eu tenho defendido a ideia de que o Governo Federal tem que adotar a educação das crianças nas cidades que pedirem. No fundo, é isso: o que tem se chamado de federalização, eu chamo de ‘adoção’ pelo Governo Federal da educação das crianças brasileiras, não importa a cidade em que estejam.

Portal 6 – O senhor diz que tem a disposição para ser candidato pelo PPS à Presidência da República em 2018. Porém, o partido sonda o apresentador Luciano Huck para ser o candidato da legenda. Isso não te constrange? O PPS condena o populismo, mas recorrer a um global não seria cair nessa armadilha?

Cristovam Buarque – Primeiro o constrangimento. O PPS escolher como candidato à Presidência o Huck, de fato, é um constrangimento para todos os políticos. Porque significa que os políticos não têm condições nesse momento de ser uma alternativa. Então, é um constrangimento. A pergunta seria é se esse constrangimento é necessário ou não necessário. Eu acho que não é necessário. Apesar da crise que nós vivemos, com os políticos todos sem crédito, eu creio que ainda é preciso que seja um político o próximo presidente. Porque não basta eleger, é preciso governar. E é muito difícil você colocar uma pessoa que nunca dirigiu um concerto para reger um concerto. Um maestro tem que ter tido uma prática no trabalho de maestria, e dirigir um país na democracia é uma questão de maestria. Além disso, trazer uma pessoa de fora, sem ela ter dito qual o programa dela, o que ela fará, não é bom. Nós temos que agarrar pessoas com ideias, propostas e com passado, e ir atrás dos votos – e não o contrário, pegar uma pessoa com popularidade e ir atrás das ideias. Quanto ao populismo, depende muito o que quer dizer populismo. Na verdade, o populismo é você prometer coisas ao povo sem responsabilidade e com finalidade ganhar a eleição. A escolha de um apresentador de televisão que não tem experiência, não deixa de ter um toque populista. Dito isso, vou complementar dizendo o seguinte: a decisão do Huck de ser candidato para mim é uma das melhores coisas que aconteceram ultimamente na política. Porque, no momento em que estamos tão desmoralizados (os que fazem política), em que a juventude foge da política, ver uma pessoa totalmente bem sucedida financeiramente, profissionalmente, dizer “eu quero entrar na política” é muito positivo. E eu espero que o Huck entre no PPS. Só acho que ele não deveria entrar com a condição de ser candidato a presidente. Ele poderia até entrar e dizer “olha, se vocês acharem que o meu nome é bom para disputar a Presidência, eu estou pronto, mas vocês pensem e analisem e me digam. Se não, eu estou disposto a disputar outras eleições”. Por que não um governo do Rio de Janeiro? Por que não o senado do Rio de Janeiro? Ou por que não ser um deputado, com a credibilidade que ele tem? E quem sabe daqui a quatro anos ser candidato a presidente da República. É bom para a política que ele queira entrar na política, bom para o PPS e que ele escolha o PPS, não é bom que seja condicionado a ser candidato a presidente.

Portal 6 – O que o Brasil não pode deixar de discutir no processo eleitoral do ano que vem e como Anápolis pode dar essa contribuição localmente?

Cristovam Buarque – Simplificando, porque não é uma pergunta simples, porque são tantas coisas.Como é que posso voltar a me sentir dono do meu país? Qual o candidato que passa uma proposta, não só um discurso vazio, que vai me convencer a acreditar no Brasil? Acreditar no futuro, saber que vou viver bem no presente? Se é para escolher alguma coisa, que seja um candidato que me faça acreditar, como eleitor, no meu país. Quanto a Anápolis, a primeira coisa é Anápolis dizer “eu sou parte do Brasil”. Essa corporativização do país, em que cada um é da sua igreja, do seu sindicato, do seu fórum… isso está desarticulando o Brasil como nação. Cada cidade pensa “eu quero resolver o meu problema da cidade”, não existe isso. Só se resolve o problema da cidade se resolver o problema do país. Estou dizendo do problema na totalidade, não um buraco na rua. Então, cada cidade do Brasil tem que dizer que é parte do Brasil. E daí eu justifico a federalização. Se eu sou parte do Brasil e não tenho condições de educar minhas crianças como deveriam (e para educar bem uma criança em escola pública precisa de R$15 mil por aluno por ano – raros prefeitos conseguem isso) e dizer “quero que o governo federal participe da educação das minhas crianças”. A segunda coisa é buscar para o Brasil um redescobrimento nacional. O Brasil se redescobrir como Brasil. Cada um de nós se sentir pertencente ao Brasil. É que hoje a gente não se sente. E terceiro o rumo que vai além dos anos e décadas. Onde é que eu quero que esteja o Brasil daqui a 30, 40, 50 anos? Na hora de escolher o presidente, tem que olhar isso. Eu resumo sua pergunta em uma frase: voltar a acreditar no Brasil. Está faltando isso, está faltando o Brasil voltar a acreditar. E cada brasileiro voltar a acreditar que o Brasil será feito por ele, é isso que eu acho que Anápolis deve pensar e os anapolinos na próxima eleição.

Portal 6 – Após o processo de impeachment, personalidades como o senhor e a ex-senadora Marina Silva são alvos de haters na internet. Por que isso acontece?

Cristovam Buarque – Eu lido com duas coisas. Por um lado, um constrangimento, uma certa tristeza como professor, de ver que as pessoas estão dizendo que os militares foram bonzinhos em 1964 quando me chamam de golpista. Eu não mandei ninguém para o exílio, não mandei prender ninguém, não coordenei tortura de ninguém, eu não fechei o Congresso. Eu votei com mais 60 senadores, depois que 500 e tantos deputados votaram, depois de um processo de seis meses, transmitido pela televisão, eu votei com eles. Então, como professor, como quem conhece a história do Brasil, eu acho que essa parcela do PT que chama de golpe o impeachment da Dilma, além de incoerente, porque não chama de golpe o impeachment do Collor, está descaracterizando a história. Está dizendo: “Olha, aqueles militares que prenderam, mataram, torturaram, assassinaram e mandaram para o exílio, são iguais aos parlamentares que votaram o impeachment do Collor e da Dilma”. Sinto essa frustração de professor. Agora não vou negar que tem um lado, que talvez seja o machismo nordestino, de enfrentar isso. Todo o tempo que estou na política, eu fui visto como o cara bonzinho, eu era aceito, mesmo os meus adversários me respeitavam, me tratavam bem. Agora como estão metendo pedra, estou descobrindo que eu tenho o casco duro e que sou capaz de enfrentar isso, porque eu estaria negando meu discurso se votasse contra o impeachment. Eu passei anos dizendo que a Dilma estava cometendo crime de responsabilidade. Eu fiz uma audiência no Senado, naquela época se chamava contabilidade criativa, depois virou pedalada, o relatório denuncia isso. O processo de impeachment em meses e meses de analise, 180 dias se não se engano, comprovou que houve isso. Pode-se dizer “mas outros fizeram”, posso dizer “mas ela não colocou esse dinheiro no bolso”, que é verdade. Mas foi um crime e nós não podemos tolerar irresponsabilidade com o dinheiro público. Nem quem gasta mais do que arrecada, nem quem desperdiça dinheiro. Eu acho que foi um crime fazer a Copa do Mundo no Brasil. Mas não dava para fazer impeachment por causa disso, porque a Constituição não fala nesse crime de desperdício, mas fala do crime de gastar mais do que estava previsto no orçamento sem ter feito os tramites necessários, então eu tinha que votar. Além disso, não é essa a causa principal porque foi legal o crime, mas além disso, como economista, eu alertei muito que o Brasil caminhava para uma decadência, eu nem chamava recessão. E eu temo que a recessão econômica teria se transformado em uma decadência se o governo Dilma tivesse continuado. Eu não me arrependo do impeachment. Eu tenho vergonha do governo Temer na parte política, mas eu não votei no Temer. Quem votou no Temer foi quem votou na Dilma e a Dilma, tem vídeo dela gravado dizendo que “não tem melhor pessoa para governar o Brasil do que o Temer. Se eu morrer, se eu ficar doente, o Temer está aí”. Cada vez que ela viajava para o exterior, ela passava para o Temer feliz. Então eu lamento que tenha sido o Temer, mas foi ela quem escolheu o Temer. Mesmo assim, esse Temer desastroso retomou o crescimento da economia, a redução dos juros, o controle da inflação e a volta do emprego. Com todo o desastre, eu não acho que o Brasil está pior hoje do que estaria se o Governo Dilma tivesse continuado.

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