Inquérito militar vê ‘indícios de transgressão’ de sargento que cantou hino com golpistas

Em depoimento, militar alegou que cantou por ordem dos comandantes do pelotão

Folhapress Folhapress -
Manifestantes invadiram o Congresso, STF e Palácio do Planalto. (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

THAÍSA OLIVEIRA
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O inquérito policial militar aberto sobre a atuação das tropas do Palácio do Planalto no dia 8 de janeiro apontou “indícios de transgressão disciplinar” na conduta de um sargento que cantou o hino nacional com os invasores.

O terceiro sargento Júlio Cesar Fidelis Gomes foi gravado ao lado de vândalos no Salão Nobre do palácio quando parte do grupo já estava detida. Em determinado momento da gravação, o militar faz um sinal com as mãos sugerindo que os invasores entoassem o hino mais alto.

O sargento afirmou em depoimento que cantou o hino por ordem do comandante do pelotão, o segundo tenente Bill Clinton Barros Alves da Silva, junto “com todos os militares da fileira de escudos”.

O militar argumentou que os golpistas começaram a se “desesperar” quando a Polícia Militar do Distrito Federal lançou gás lacrimogêneo na rampa do palácio. Disse ainda que a ideia era ganhar a confiança do grupo para controlar a situação.

Ele afirmou que, com o hino, “os invasores começaram a se emocionar e a se acalmar”, e que “foi quando a PM-DF [Polícia Militar do Distrito Federal] iniciou as prisões”.

O inquérito concluiu que “não se acercam de indícios de crime, sobretudo em razão de tratar-se de conduta adotada com o intuito de controlar os invasores e ganhar a confiança dos mesmos”.

“Todavia, há indícios de possível cometimento de transgressão disciplinar, quanto ao militar se portar de maneira inconveniente ou sem compostura”, diz trecho do documento.

A conclusão consta no inquérito, aberto em 11 de janeiro para averiguar a atuação da tropa do Comando Militar do Planalto no dia 8 de janeiro. O Exército também abriu, em 31 de janeiro, um procedimento disciplinar específico sobre o caso.

O documento é resultado de uma investigação conduzida pelos próprios militares para avaliar se há indícios de crime militar e quais os possíveis responsáveis. A apuração foi feita pelo coronel Roberto Jullian da Silva Graça, hoje chefe do Estado-Maior do Comando Militar do Planalto.

O relatório sigiloso, obtido pela Folha de S.Paulo, apontou “indícios de responsabilidade” da Secretaria de Segurança e Coordenação Presidencial do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) e livrou as tropas de culpa. O documento foi finalizado em 2 de março e recebeu uma complementação no dia 14 daquele mês.

A conclusão é colocada de forma genérica, sem mencionar o nome dos responsáveis. O chefe da secretaria em 8 de janeiro, general Carlos Feitosa Rodrigues, nem sequer foi ouvido durante a apuração.

O inquérito também poupou o Exército sobre o acampamento montado após a derrota do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em frente ao quartel-general em Brasília —onde os vândalos que depredaram as sedes dos três Poderes ficaram por mais de dois meses.

O Governo do Distrito Federal afirma ter tentado desmontar o acampamento no ano passado, mas foi barrado pelo Exército. Como mostrou a Folha, a Abin (Agência Brasileira de Inteligência) alertou inclusive sobre a presença de militares radicais no local em 27 de dezembro.

O depoimento do sargento que cantou o hino foi reforçado pelo relato do comandante do batalhão. O segundo-tenente Bill Clinton Silva disse que a ordem veio do major Paim, do Batalhão da Guarda Presidencial, “dentro da ‘ideia inicial’ de negociar com os manifestantes”.

“Perguntado se concordou com a ordem recebida pelo major Paim, respondeu que no calor da emoção não pensou se era certo ou errado, por não se tratar de ordem absurda, mas apenas cumpriu a ordem. A ordem estava dentro da ideia inicial de negociar com os manifestantes.”

Imagens do circuito interno de câmeras do Palácio do Planalto durante a invasão mostraram a passividade dos militares, além do baixo número de homens no local, além da falta de comando.

Procurado, o Exército afirmou que o inquérito foi enviado ao Ministério Público Militar “para que fossem tomadas as providências julgadas cabíveis”.

“Cabe salientar que o Exército Brasileiro não se pronuncia acerca de procedimentos investigativos ou judiciais conduzidos por outros órgãos. Esse é o procedimento que tem pautado a relação de respeito do Exército Brasileiro com as demais instituições da República”, disse em nota.

O documento também foi entregue ao ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal). Em fevereiro, ele decidiu que os militares envolvidos no dia 8 de janeiro serão processados e julgados pela própria Corte.

O ministro determinou ainda que a Polícia Federal abrisse um inquérito para investigar os militares das Forças Armadas e da Polícia Militar do Distrito Federal. A PF, portanto, pode chegar a conclusão diferente da apontada no inquérito militar.

Após a reportagem da Folha de S.Paulo, a presidente nacional do PT, deputada federal Gleisi Hoffmann (PR), afirmou que “o negacionismo vestiu farda para encobrir suas próprias responsabilidades”.

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