Especialista sobre advogados que insistem no ‘juridiquês’: “retrógrados e fadados ao insucesso”
Vocabulários excessivamente rebuscados e de difícil compreensão têm sido alvo de reclamações da população há muitos anos
Perpetrar, aberratio delicti, concessa venia, correição. Dentro do “juridiquês”, são diversas as palavras consideradas difíceis, elitizadas e, até mesmo, oriundas do latim. Não é para menos que, para a grande maioria dos brasileiros, tais documentos são de leitura extremamente penosa.
Porém, essa prática, que era quase uma norma antigamente, por conferir “elegância” aos textos jurídicos, vem se tornando cada vez mais rara na atualidade, ao menos na visão do ex-presidente da OAB Anápolis, Jorge Henrique Elias.
Com mais de 20 anos apenas de sala de aula – fora o tempo de atuação – ele contou ao Portal 6 que, no começo, era bastante comum ver esse vocabulário mais rebuscado nas peças.
“Eu me deparava muito com expressões em francês, em latim, do direito alemão, isso era uma tentativa de demonstrar cultura da parte do advogado”, relembrou.
Porém, enquanto naquela época o juiz tinha cerca de 30 a 50 causas para analisar em determinado intervalo de tempo, hoje em dia ele tem 200 ou mesmo 500 documentos para lidar.
“Hoje, o aconselhado é que o advogado mantenha o vocabulário o mais simples possível. Deve ser clara, concisa e completa”, continuou.
Apesar disso, Jorge Henrique sustentou que também não pode ocorrer um empobrecimento completo da língua portuguesa nas peças jurídicas, indo ao ponto de uma linguagem coloquial. Para ele, deve haver sempre um equilíbrio.
Mais visões
Para o professor de comunicação jurídica e advogado Carlos André Nunes – que também foi entrevistado pela reportagem – outros motivos também tiveram grande impacto na “popularização” do linguajar jurídico.
“Até o início do século XXI, o direito era uma ciência aristocrática, quando se pensava no direito, pensava-se em um nível de especialidade tão grande, que quem se formava, não se importava com as massas, era uma linguagem erudita, elitizada e misturada com o ‘juridiquês’, algo que foi aceito por muito tempo no Brasil”, comentou.
Porém, tudo isso teria mudado graças a, dentre outros fatores, a popularização e difusão da Internet. Isso porque, com a tecnologia, a população passou a ter um acesso muito maior à informação. Foi a partir daí que, segundo o professor, o Brasil percebeu que deveria tomar rumos diferentes, com muito mais transparência. Assim, surgiu a linguagem simples no meio jurídico.
“Linguagem simples é um movimento cultural e social para haver mais transparência nas decisões jurídicas, para dar mais confiabilidade no Judiciário”, pontuou.
Insistência no “erro”
Aos advogados que ainda insistem em utilizar um vocabulário excessivamente rebuscado e de difícil entendimento, Carlos ainda foi firme no julgamento:
“Não há espaço mais no mercado, profissionais retrógrados estão fadados ao insucesso, até mesmo mais propensos a lidar com problemas financeiros”, garantiu.
A citar exemplos, ele comentou que já está sendo empregado, em alguns casos, modelos de inteligência artificial que automaticamente identificam estes vocábulos do “juridiquês” em peças jurídicas e os “traduzem” para um português mais acessível.
Questionado se ele aprovava essa mudança de realidades, o docente se mostrou dividido.
“Por um lado é ótimo que os documentos e decisões possam ser lidos por mais gente, é um passo importante em direção à democratização. Mas, por outro, é um reflexo do quão falha a educação no Brasil é, que impede com que a grande massa consiga compreender essas peças”, finalizou.