Goiana presa em hotel no RS relata pesadelo que viveu durante enchentes: “sentimento de impotência”
Além de ficar ilhada em hospedagem, Juliana foi vendo a situação ficar mais grave a cada dia, ao ponto de ter que racionar comida
Impotência. Este foi o sentimento vivido pela empresária goiana Juliana Gonçalves Carvalho, de 45 anos, que – em um piscar de olhos – viu um sonho se tornar um pesadelo.
A consultora viajou na última quarta-feira (1º) para Porto Alegre (RS), onde passaria um tempo com uma amiga em uma casa alugada, para depois se dirigir à Serra Gaúcha, onde realizaria um curso de sommelier de vinhos, na Universidade de Caxias do Sul, no interior do estado.
No entanto, os planos começaram a desmoronar quando a mulher precisou sair do Airbnb, onde estava hospedada, pois existiam riscos do local ficar inundado devido às fortes chuvas que atingiam a região.
“Logo, eu já me desloquei para um outro hotel mais próximo de uma via que eu conseguisse acessar para subir para Caxias do Sul. Aí nesse hotel, cheguei e perguntei na recepção se tinha a possibilidade de alagar, mas eles me falaram que não”, contou a empresária, que mal imaginaria que, logo mais, o prédio seria afetado.
Assim, por volta de 18h da sexta-feira (03), assustada com a proporção que as enchentes estavam tomando pela cidade, Juliana decidiu por cancelar o curso e reagendar a volta para Goiânia já para o domingo (05).
“Eu meio que entrei em pânico quando vi que a água estava chegando. Mas o cara do hotel disse ‘Não se preocupa, a água não vai chegar aqui’. Mas como eu já tinha agendado o retorno, decidi ficar no hotel só até no domingo mesmo”, relatou.
“Quando eu acordo no sábado (04), já estava tudo alagado em torno do prédio. Uma coisa assim… parecia um rio. Por volta das 16h, a água entrou toda pra dentro”, completou.
A partir daí – segundo Juliana – o caos foi instaurado.
Notícias ruins continuaram chegando
Assim, o gerente do hotel, que contava com 130 hóspedes, reuniu todos e explicou que não havia motivo para pânico, pois eles tinham um gerador de energia que os manteria comunicáveis até que as águas baixassem. Este era o plano A.
Mal sabiam eles que, na madrugado do sábado (04), o gerador pararia de funcionar, o que deixaria todos sem internet e sem televisão.
“Na hora eu falei ‘vou descer e tentar achar o gerente para tentar ajudar ele’, e aí quando cheguei, ele já tinha falado que o aeroporto havia anunciado que só reabriria no dia 13. Aí todo mundo ficou louco. Todos que estavam dentro do hotel, vários turistas estrangeiros, argentinos, italianos, ninguém ia conseguir voltar”, então era necessário colocar em prática uma contingência.
Todos começaram a se ajudar, comidas eram regradas e nada do hotel foi cobrado.
“Algumas pessoas até foram atrás do gerente e falaram que queriam pagar as coisas pegas no frigobar, mas ele disse que não seria preciso pagar por nada, e que todos deveriam pegar toda comida, bebida e snacks e colocar nas mochilas, pois ninguém sabia o que iria acontecer, e poderia ser útil”, enfatizou, a empresária.
Dias de muita luta
Esses foram os dias de luta de todas as pessoas que estavam no edifício.
“Era tudo assim, em sistema de mutirão: fazíamos um pão, uma água e um suco para cada um. Porque eram 130 pessoas e tinha que otimizar comida, que só duraria até terça-feira (07)”, contou.
Com o passar do tempo, a comida acabando, celulares descarregando, e sem energia ou nenhum tipo de comunicação, foi dada a largada no plano B: o socorro.
Então, os responsáveis pela hospedagem acionaram a Defesa Civil e o Corpo de Bombeiros, onde relataram a situação e solicitaram ajuda, pois não havia outra alternativa.
“Aí nós fomos levados para o outro hotel da mesma rede, que fica na parte seca de Porto Alegre, que é uma parte alta. Eles arrumaram pessoas voluntárias que nos tiraram de onde estávamos em barcos e trollers, e nos levaram até lá”, acentuou Juliana.
Depois disso, a empresária contou que não ficou hospedada no novo local, pois contatou uma amiga que mora em Florianópolis (SC), na qual enviou ajuda por meio de uma van.
“A gente fez uma viagem pela única avenida disponível, já que todas estavam alagadas. Em um trajeto que você gastava 04h, a gente gastou de 15h, até a madrugada, por volta de 01h”, destacou.
Enfim, refúgio
Depois disso, Juliana agendou uma viagem no aeroporto de Joinville (SC), na qual retornou para Goiânia já na terça-feira (07).
“Eu saí de lá doida para chegar em casa. Em uma situação assim, eu acho que a gente fica com um sentimento de impotência, porque você também queria ajudar as pessoas ali, sabe? Você fica triste de ver aquilo assim acontecendo, eu acho que é uma coisa de filme e você não poder também ajudar, apenas fica vendo as pessoas ali sem casa, criança, cachorro…”, relatou, emocionada.
“Uma impotência assim, realmente a gente não é nada, né? Nós não estávamos numa área de risco, eu não tinha perigo de morte, mas muitos lá correm esse risco, né? Várias pessoas que moram lá perderam muitas coisas, e eu… eu estou sem mala. Eu estou só sem minha mala, então preciso ser grata”, finalizou.