Ansiedade e depressão: número de internações de crianças e adolescentes mais que dobrou em Anápolis
Especialistas afirmam que a troca entre o 'brincar livre' para o 'viralizar e ser cancelado' afetam a própria formação neuronal
São vários os fatores que levam uma pessoa a desenvolver ansiedade ou depressão, os quais podem surgir por questões genéticas ou até pelos hábitos e pela rotina. Entre crianças e adolescentes, esse tipo de diagnóstico acende um alerta aos pais e familiares, por se tratar de uma fase de formação tanto identitária quanto ainda cerebral.
Segundo dados da Secretaria do Estado de Saúde (SES-GO), Goiás registra as internações desse público, motivada por essas questões, desde 2015 – quando não foi contabilizada nenhuma internação na terceira maior cidade do estado. Em Anápolis, é possível notar uma crescente, em linha reta, desde o ano de 2021.
Na época, em pleno começo da pandemia, apenas 10 crianças e adolescentes se internaram por questões psiquiátricas, ligadas à depressão e ansiedade, número que dobrou no ano seguinte, chegando a 21. Da mesma forma, em 2023, esse número atingiu 27.
Por fim, até 18 de dezembro, a marca chegou a 49 casos na cidade – mais que o dobro do ano passado e número maior que a soma dos dois últimos anos. Esses dados foram levantados com base nos registros do Instituto de Medicina do Comportamento Eurípedes Barsanulfo, situado na avenida Universitária.
Contexto Psicológico
Ao Portal 6, o mestre em psicologia clínica pela Universidade de Brasília (UNB), Olívio Israel, explicou o que pode acarretar essas condições e como prevenir.
“O primeiro aspecto que a gente precisa pensar é que a ansiedade é um aspecto inerente ao ser humano. Ela funciona como um alarme de risco ou perigo eminente, e se ativa como forma de proteção. A questão é que, a partir de 2012, ocorreu um boom da ansiedade, como uma epidemia global – especialmente entre crianças e adolescentes”, explicou.
Assim, segundo estudos, de lá para cá, crianças e adolescentes atingiram níveis maiores de ansiedade que todas as outras, ao longo da história da humanidade.
“Uma das hipóteses, que é muito forte sobre isso e precisa ser muito levada em consideração, é que, de 2012 em diante, as crianças tenham diminuído o ‘brincar livre’. Então, a ideia de que com o advento da tecnologia, do smartphone, a velocidade das mudanças tecnológicas, tornaram as crianças mais presas às telas”, concluiu.
Conforme ele, ainda há a justificativa dos perigos urbanos, pela qual se proíbe as brincadeiras pelas ruas, o que até teria certo fundamento. No entanto, gera uma superproteção prejudicial a essas faixas etárias. Assim, ocorre o prejuízo na criatividade, desenvolvida pelo brincar, e também nas interações sociais.
O brincar funciona como uma forma de escoar, fazer o trabalho de saneamento da ansiedade do ser humano ao longo da vida. Um ponto levantado também foi a rapidez com que as tecnologias vão avançando e a cobrança de acompanhar essas tecnologias. Além da ‘tarefa’ de se mostrar, de quem precisa ser, em detrimento das reais potencialidades, são fatores que trazem um sofrimento psíquico forte, que vem na forma de ansiedade e angústia.
“Por que o impacto nessa população é mais forte que no adulto? Porque estamos falando de um período muito vulnerável para o ser humano, neurologicamente. Então o momento de puberdade envolve podas neuronais, reconfiguração do cérebro, que promove uma vulnerabilidade importante. O ser humano vivencia conflitos, ligados à autoestima, integridade, senso de ser, que essas tecnologias contribuem para prejuízos na superação de uma fase que, por si só, é bem difícil”, destacou.
Contexto educacional
Portanto, a partir do depoimento do profissional, fica claro como a troca entre o ‘brincar livre’ para o ‘viralizar e ser cancelado’ afetam a própria formação neuronal das crianças e adolescentes. Nesse contexto de desenvolvimento podado, um setor que sofre e acompanha essa fase da vida são os professores – muitas vezes mais até que os próprios pais.
” Atuo há pouco mais de 20 anos em sala de aula da Educação Básica – Ensino Fundamental II e Médio. De lá para cá percebo mudanças cada vez mais rápidas no comportamento das crianças e adolescentes relacionadas à ansiedade e depressão. Raramente ouvíamos falar em crianças e adolescentes ansiosos e depressivos com diagnóstico médico e, atualmente, é raro o que não é”, revelou uma profissional da área.
Ela, que preferiu não se identificar para preservar os alunos com os quais trabalha, apontou que considera esse cenário fruto de vários “gatilhos”. Dentre eles, citou a distância entre os pais e a realidade dos filhos, especialmente no âmbito emocional, e também a permissividade sobre o desejo dos pequenos, como uma forma de se ter aceitação sem o efetivo trabalho de educar.
A professora também apontou o uso dos celulares e mídias sociais como um fator que “mudou o jogo”. A utilização, em tempo integral, estaria os distanciando da sala de aula, ficando alheios ao que aconteceu ao redor. Também apontou que, ao se proibir o uso dos aparelhos, muitas vezes recebem revides feitos com xingamentos e palavras de baixo calão.
“Cenas de alunos dormindo durante as aulas estão se tornando corriqueiras, principalmente entre os alunos do Ensino Médio. Quando questionados, eles dizem que fazem uso contínuo de medicamentos para ansiedade ou depressão. As faltas às aulas tem sido justificadas pela presença desses alunos em consultórios psicológicos”, concluiu.