Condição rara deixa comunidade em Goiás mil vezes mais propensa a desenvolver câncer
Povoado possui maior incidência da condição em todo o mundo, segundo associação especializada

Os raios de sol que para muitos representam uma oportunidade de lazer e bronzeado têm um significado bem diferente para uma comunidade localizada em Araras, no município de Faina, em Goiás. O grupo é afetado pelo Xeroderma Pigmentoso (XP), uma condição genética rara que torna a pele extremamente sensível à luz solar e aumenta em até mil vezes o risco de câncer de pele.
De acordo com a Associação Brasileira de Xeroderma Pigmentoso (AbraXP), o povoado possui a maior incidência da condição no mundo, com um caso para cada 40 habitantes — sendo considerada, por isso, a maior comunidade XP do planeta.
Essa alta ocorrência tem uma explicação genética: a herança da condição ocorre de forma recessiva. O isolamento geográfico e os casamentos consanguíneos ao longo das décadas favoreceram a propagação da mutação genética entre os moradores da região.
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Uma das pessoas que convivem com a condição é o vendedor Julimar Flores da Silva Filho, de 30 anos.
Em entrevista ao Portal 6, ele conta que foi diagnosticado aos 4 anos de idade. Na época, os médicos estimavam que ele teria apenas mais três anos de vida.
“Quando descobri, ainda na infância, os médicos disseram que eu viveria até os 7 anos de idade. Neste ano completo 31, então, para mim, isso é uma vitória e tanto. Para quem tinha uma expectativa de vida tão baixa, me sinto muito grato”, comemora.
Apesar da superação, Julimar relata os desafios que enfrenta até hoje. Ele continua sendo acompanhado por médicos e é um dos pacientes da Expedição Recanto das Araras — uma organização que leva saúde especializada a populações em situação de vulnerabilidade, promovendo diagnósticos precoces e acesso a cirurgias.
“[O Xeroderma] me afetou bastante em 2020. Eu faço procedimentos cirúrgicos para remover manchas suspeitas que podem virar tumores. Quando eu era criança, me afetou muito emocionalmente e, quando piorou, em 2020, foi muito difícil para mim”, contou.
Diante do número significativo de casos, dermatologistas voluntários de vários estados se deslocam até Araras para ajudar a população por meio da expedição.
A última edição ocorreu nos dias 26 e 27 de setembro e contou com centro cirúrgico montado no povoado, consultórios móveis, exames de imagem, além da distribuição de roupas de proteção e protetores solares.
O que é Xeroderma Pigmentoso (XP)?
Para entender melhor a condição, o Portal 6 conversou com o presidente da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), o Dr. Carlos Barcaui. Ele explica que o Xeroderma Pigmentoso é uma condição genética rara que torna a pele extremamente sensível à radiação ultravioleta (UV) — presente na luz solar e em algumas fontes artificiais.
Essa sensibilidade causa danos acumulativos ao DNA das células da pele, o que aumenta significativamente o risco de desenvolver câncer de pele, desde a infância.
“Embora seja uma condição rara, pode ocorrer em qualquer pessoa, independentemente de sexo ou etnia. A proteção solar precisa ser contínua e rigorosa, combinando filtros solares de alta eficácia, barreiras físicas (chapéus, roupas, óculos) e, quando necessário, intervenções médicas para remoção de lesões”, explicou.
A causa está ligada a alterações no sistema de reparo do DNA danificado pela radiação UV. Com isso, surgem lesões na pele, predisposição a tumores e, em alguns casos, até complicações neurológicas.
Os sintomas costumam aparecer ainda nos primeiros anos de vida, geralmente nas áreas mais expostas ao sol. A pele tende a apresentar um número maior de sardas, manchas brancas em confete, e os olhos também ficam muito sensíveis à luz.
“O acúmulo de dano solar pode evoluir para lesões pré-cancerosas (queratoses actínicas) e câncer de pele. Em alguns casos, pode haver maior ocorrência de tumores internos em comparação com a população geral”, completa.
O diagnóstico é confirmado por meio de avaliação clínica detalhada, exames dermatológicos, oftalmológicos e testes genéticos que identificam alterações nos mecanismos de reparo do DNA.
Como é o tratamento?
Embora ainda não exista cura, o tratamento inclui ações como remoção precoce de tumores, uso de medicamentos tópicos quando indicados e acompanhamento multidisciplinar para detecção precoce de novas lesões.
Além disso, pessoas diagnosticadas devem ter uma fotoproteção rigorosa e contínua, como: uso de óculos escuros com proteção UV, chapéus de abas largas, roupas de manga comprida de cores escuras, guarda-sóis e filtros solares de alto fator de proteção reaplicados várias vezes ao dia.
Também é indicada reposição de vitamina D quando necessário e acompanhamento regular com dermatologistas para detecção e tratamento precoce de lesões.
“Se possível mudar o “modo de vida”, procurando ocupações com atividade noturna (trabalho e estudo no período noturno), para evitar a exposição solar; promover rigorosa vigilância em relação às formas pré-malignas e tumores de pele, com a finalidade de tratamento precoce. [..] É importante preservar o bem-estar emocional e a inclusão social, estimulando participação em atividades comunitárias e escolares, com a devida proteção solar”, concluiu Carlos Barcaui.
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