Agência francesa negocia R$ 864 milhões para resiliência climática no Sul do Brasil
Cifra pode chegar a 150 milhões de euros (cerca de R$ 864 milhões), sendo 50 milhões de euros (R$ 288 milhões) direcionados exclusivamente ao Rio Grande do Sul
NATHALIA GARCIA
A AFD (Agência Francesa de Desenvolvimento) negocia com o BRDE (Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul) uma nova linha de crédito para financiar projetos voltados para resiliência climática na região Sul do Brasil.
A cifra pode chegar a 150 milhões de euros (cerca de R$ 864 milhões), sendo 50 milhões de euros (R$ 288 milhões) direcionados exclusivamente ao Rio Grande do Sul -estado severamente atingido por inundações no mês passado.
A nova operação de crédito já vinha sendo discutida entre as instituições de fomento antes mesmo da tragédia, que afetou 2,3 milhões de pessoas e resultou em pelo menos 172 mortes até agora, mas o tema ganhou tração devido aos danos provocados pelas enchentes.
No início das tratativas, o montante correspondia a 100 milhões de euros (cerca de R$ 576 milhões), a ser dividido igualmente entre Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. Além do valor adicional de 50 milhões de euros para o estado gaúcho, agora também é negociada a ampliação do escopo de investimentos para ações que possam mitigar os efeitos da catástrofe na região e prevenir novos desastres.
Segundo Marie-Pierre Bourzai, diretora da AFD para América Latina, a ideia é financiar investimentos que permitam que autoridades públicas e instituições privadas previnam riscos de desastres naturais e se adaptem às consequências das mudanças climáticas em áreas particularmente vulneráveis no sul do Brasil.
A nova linha de crédito vai privilegiar projetos que, por exemplo, tratam de infraestruturas de proteção costeira, sistemas de drenagem, desenvolvimento de terrenos agrícolas, recuperação de terrenos degradados e pequenas instalações urbanas.
A realocação de pessoas e a transformação de áreas de risco em parques ou equipamentos públicos também entram nesse contexto.
Leonardo Busatto, diretor de Planejamento do BRDE, espera assinar o novo contrato com a AFD nas próximas semanas. Segundo ele, a agência francesa está disposta a acelerar os trâmites para a liberação de recursos o mais rápido possível.
A expectativa da instituição brasileira é que a nova operação tenha início entre setembro e outubro. “Vai ser quando os investimentos de maior robustez, já visando um médio e longo prazo, vão começar a surgir. Então, ainda é um momento adequado”, diz.
As condições da nova linha de crédito ainda estão em negociação entre a AFD e o BRDE. Se seguir os moldes de operações anteriores, o prazo para pagamento do financiamento fica em torno de 15 anos, com carência de dois a três anos.
De acordo com o banco brasileiro, captações anteriores foram feitas a uma taxa de 2,3% ao ano mais o juro europeu -a taxa Euribor a seis meses, que hoje está em torno de 3,7% ao ano. Isso significaria uma taxa de 6% ao ano. “Para o cliente final, a gente ainda tem a parte do BRDE, porque toda a garantia da operação, a documentação, a burocracia, é responsabilidade do BRDE”, afirma o diretor.
Entre as ações de curto prazo que estão sobre a mesa está o redirecionamento de uma linha de crédito já existente no BRDE, de 33 milhões de euros (cerca de R$ 190 milhões), para ações de reparação aos danos causados pelas inundações no Rio Grande do Sul.
“A curto prazo, estamos nos mobilizando mais rapidamente para remediar os problemas encontrados”, diz a diretora da AFD para América Latina à Folha de S,Paulo.
Busatto, do BRDE, diz que a agência francesa sinalizou formalmente estar de acordo com a flexibilização da destinação do crédito. A ideia é que os recursos, até então restritos a investimentos em projetos de transição energética, possam ser redirecionados para atender às necessidades de empresas e municípios, como compra de equipamentos e matérias-primas e reformas de postos de saúde e escolas.
“A gente tem orientação e aprovação por parte da AFD de usar de maneira um pouco mais livre esse recurso justamente entendendo que o momento agora não é para conseguir fazer projetos de longo prazo, projetos de infraestrutura de fôlego, e sim tentar ajudar, na medida do possível, as empresas voltarem a funcionar, as prefeituras voltarem a estabelecer os serviços públicos”, diz.
Os europeus também deram sinal verde à prorrogação do pagamento de parcelas de financiamentos com vencimento nos próximos 12 meses para clientes afetados pelas inundações. O “refinanciamento” é uma forma de dar alívio a empresas e municípios para que possam se reorganizar financeiramente.
O diretor-executivo da área de Geografias da AFD, Philippe Orliange, ressalta a parceria de longa data com os estados do Sul do Brasil. “Nos parece natural que no quadro desta parceria com o BRDE possamos, se nos pedirem, participar de um esforço coletivo de reconstrução do Rio Grande do Sul onde for preciso”, afirma.
Segundo ele, há uma discussão “bastante avançada” com a cidade de Porto Alegre. Em dezembro de 2022, foi acordado um empréstimo de 52 milhões de euros (cerca de R$ 300 milhões) ao município gaúcho, em cofinanciamento com o Banco Mundial.
Por se tratar de uma operação de crédito com garantia da União, depende de aprovação do Senado Federal. É esperado que o aval do Congresso Nacional seja dado nas próximas semanas, de acordo com a diretora da AFD para América Latina.
Esse também é o cenário envolvendo o município de Rio Grande após acordo realizado em setembro de 2023 para um empréstimo de 59 milhões de euros (cerca de R$ 340 milhões) na área de transportes.
“As intempéries tiveram menos impacto nessa cidade, então, há menos necessidade de ações de remediação, mas estamos discutindo atualmente com a União para acelerar a assinatura para, ao menos, fornecer à municipalidade os meios financeiros para realizar o projeto planejado para a cidade”, diz Bourzai.
Operando no Brasil desde 2007, a AFD já investiu mais de 3,5 bilhões de euros (R$ 20 bilhões) no país. Na América Latina, entre 2018 e 2023, realizou 300 projetos em nove países, envolvendo um montante de 7 bilhões de euros (cerca de R$ 40 bilhões). O Brasil, com 18% dos compromissos firmados, aparece em segundo lugar na região, atrás apenas da Colômbia (21%).