Entenda por que o shortinho masculino está fazendo tanto sucesso

Renascimento da peça tem uma forte ligação com os esportes e o mundo fitness

Folhapress Folhapress -
(Foto: Reprodução)

Eduardo Moura, de MG – “Otário”, gritaram alguns estraga-prazeres, gratuitamente. Naquele sábado, Luís se dirigia à sua lanchonete favorita, apenas para se deparar com um sanduíche sujo de cuspe e de pelos de origem íntima. Cabreiro, o paulista comeria o lanche todo, para se vingar dos atendentes que tiravam sarro –e tornar a piada do Mister Lanches um dos maiores clássicos de “Hermes e Renato”.

Naquela ocasião, Luís Boça vestia uma peça que ajudava a compor a essência bocó do seu caráter -um shortinho que deixava exposta mais da metade da sua coxa branca e peluda.

O personagem pode não ter sido responsável por uma revolução cultural, mas foi um marco estético e comportamental para jovens na primeira década deste milênio.

Havia um recado implícito naquela sátira. Homem usar shortinho não era legal. Era coisa de quem gostava de minigame, de Kenny G -gente completamente perdida no zeitgeist. Não que “Hermes e Renato” tivesse criado essa regra, mas seus comediantes a reproduziam com maestria.

Quando os últimos ventos dos anos 2000 pararam de soprar, morreram Chorão, a MTV Brasil e com eles a hegemonia da bermuda abaixo do joelho. Hoje, o shortinho masculino deixou de ser crime.

Aquilo que faria um desavisado que comparecesse à pelada portando um short estilo Sócrates ser chamado chamado de “a Carla Perez de 2007” pelos colegas de time hoje povoa as passarelas de grifes e aperta as virilhas de alguns ricos e famosos.

Mas será que o homem médio adotará shorts tão curtos? “Depende um pouco do comprimento, né”, diz Sofia Martinelli, da consultoria WGSN.

O renascimento da peça tem uma forte ligação com os esportes e o mundo fitness, mas tem porta-vozes na indústria cultural. Paul Mescal, de “Normal People”, foi clicado usando as peças curtas enquanto dava uma corrida na praça e quando saía de uma academia. Os atores Milo Ventimiglia e Dwayne Johnson também resolveram fazer ginástica com shorts minúsculos, quase imperceptíveis abaixo da linha da camiseta. A intenet não perdoou. “Acho um pouco extremo. Não necessariamente isso vai massificar dessa forma”, diz Martinelli.

“Em desfiles internacionais que acabaram de acontecer -Prada, JW Anderson, Fendi-vimos uns shorts muito curtinhos, no comecinho da coxa mesmo. Isso não vai chegar ao Brasil imediatamente. Inclusive eu acho bem difícil isso entrar numa moda massiva”, pondera Martinelli.

Mas fato é que há hoje uma maior abertura do público masculino para a peça, ainda que não nas suas versões mais extremas. “Durante muito tempo eu vendi o mesmo tanto de shorts e bermudas. No verão passado, o short saiu bem mais que a bermuda. E esse short mais curto ainda teve uma venda grande também”, conta o estilista Amir Slama, que apresenta esse tipo de peça em seus desfiles pelo menos desde 2018. “A gente sente desde o verão passado uma procura por shorts mais curtos, não só para ir à praia, mas também para usar na cidade.”

“Historicamente o homem sempre usou mais bermuda. Todavia, não é a primeira vez que esses shorts estão curtos. Se você olhar a seleção brasileira da Copa de 1982, os calções eram bem curtos e justos”, diz o historiador João Braga, professor da Fundação Armando Álvares Penteado.

Os três concordam que as tais calças curtíssimas também carregam um elemento de erotismo, num momento em que o homem é mais livre para expressar a sua sexualidade, seja ela qual for. Assim, o short não deixa de ser um convite para quem quiser manjar as pernas malhadas do camarada que escolhe mostrar tudo em público.

“Essa era de culto ao corpo, não só como forma de saúde, mas também de padrão estético, vem a partir dos anos 1980”, afirma João Braga.

Segundo o professor, a origem disso tem a ver com três letras -HIV. “A Aids chegou matando muita gente. As pessoas começam a fazer ginástica para aparentar que não eram portadoras do vírus.”

Desinformação sobre a Aids se disseminava, e surgia um imaginário negativo em torno dos soropositivos, associados a pessoas muito magras, em estado terminal. “Na época não tinha o coquetel [medicamentos antivirais hoje distribuídos pelo SUS], muitas pessoas definhavam.”

“Olha como costumamos chamar esses corpos que fazem ginástica -‘sarado’, ou seja, curado”, afirma Braga.

“Paralelamente, um avanço tecnológico trouxe muito a fibra elastano, também conhecida como Lycra. A roupa ficava mais grudada ao corpo para mostrar aquele corpo trabalhado na academia.”

Mas, embora o short curtíssimo como o conhecemos hoje já tenha estado em pernas masculinas em outras épocas, a sua origem é feminina -usado como roupa de banho em balneários europeus.

Daí outro contexto em que a peça se insere hoje em dia, o da moda agênero. Mas essa é uma história em três atos.

Cem anos atrás, foi a vez da moda da androginia. Naquela altura, era a mulher que se apropriava de visual antes entendido como masculino. Eram os anos 1920, época em que o mulherio ocidental adota um corte de cabelo mais curto, desamarra o espartilho e usa vestidos de corte mais reto.

Nessa época, fez muito sucesso na França o livro “La Garçonne”, que pode ser traduzido como “a moleca”, em tradução bastante livre. O romance de Victor Margueritte, de 1922, conta a história de uma jovem que, após uma desilusão amorosa, escandaliza ao passar a ter múltiplos parceiros -e parceiras- amorosos, fumar em público e usar peças de roupa masculinas.

Com os anos 1960, vem a moda unissex, na esteira dos hippies e suas comunidades paz e amor. Eram um bando de homens e mulheres dividindo o teto, o prato, a cama, os paqueras e também as roupas que, portanto, deveriam ter um estilo mais ou menos comum aos dois gêneros.

Os dias de hoje completam esse arco. Colares de pérolas, vestidos e shortinhos coloridos ganham cada vez mais espaço nos guarda-roupas de homens, que fazem um caminho trilhado há mais de um século pelas mulheres.

“Para você ver o quanto a moda masculina é lenta”, compara Sofia Martinelli.

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