Ensino domiciliar está longe de virar realidade em Goiás e divide opiniões entre políticos e especialista
Projetos que visam regulamentar a prática em Goiás enfrentam dificuldades para avançar entre parlamentares
Em tramitação há 10 anos na Câmara dos Deputados, o projeto de lei que regulamenta o ensino domiciliar no Brasil deve ser votado pelos parlamentares ainda em maio.
No entanto, este assunto não é novidade em Goiás. Na Assembleia Legislativa de Goiás (Alego) já existe um projeto em pauta desde dezembro de 2020 com esse intuito.
Apresentada pelo deputado Paulo Trabalho (PL), a proposta está parada desde agosto de 2021 na Comissão de Constituição, Justiça e Redação (CCJ) da Alego, aguardando os trâmites processuais legais.
O texto estabelece que os responsáveis pelos estudantes devem fornecer o conteúdo das disciplinas comparado aos níveis fundamental e médio de ensino.
Assim, os filhos seriam avaliados pelo Governo de Goiás com provas institucionais aplicadas pelo sistema público de
educação.
No entanto, caso os alunos em ensino domiciliar apresentassem fraco desempenho, a oferta da modalidade seria cancelada e eles deveriam retornar à modalidade convencional.
Ao Portal 6, o deputado justificou que a aplicação desse tipo de educação visa criar uma alternativa para o aprendizado de crianças, jovens e adolescentes.
“Muitos colégios desvirtuam os jovens. Muitos pais querem essa opção, de não expor os filhos a costumes errados, costumes de crianças que às vezes não tem famílias tão tradicionais, ilibadas, preocupadas com a moral e com a ética e acaba contaminando os próprios filhos”.
No entanto, Paulo Trabalho não explicou quais seriam os costumes e formas de educação que estariam “desvirtuando” os alunos.
Por outro lado, o professor João Ferreira, da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás (FE/UFG), foi mais objetivo ao tratar dessa questão.
“Essa ideia de ensino doméstico nasceu nos Estados Unidos, com adeptos do partido republicano [mais conservador] e grupos religiosos mais fundamentalistas”.
“Eles confrontam a visão científica, criticando valores vistos como progressistas – como educação sexual, diversidade racial, dentre outras questões sociais – entendendo que isso colocaria em risco a educação que as famílias querem dar para os filhos”, explicou ao Portal 6.
O professor da UFG também apontou que aprovar tal modalidade de ensino é inconstitucional, visto que retirar os filhos da convivência social atrapalharia a formação deles não só como estudantes, mas como indivíduos.
“Ela afeta o desenvolvimento físico, afetivo, social e intelectual da pessoa, a preparação para exercer a cidadania e a qualificação mais ampla para o trabalho, já que o mercado atual requer tarefas em equipe, trato com o outro”.
“Educação é um conceito muito mais amplo do que aprender conteúdo científico. A família faz parte desse processo e precisa exercer esse papel. Mas o educando também precisa ter acesso à cultura e convivência social”, completou.
João Ferreira pontuou que não conhece estratégias de ensino ou cartilhas que possam orientar os pais de forma eficiente, a fim de substituir o papel da escola no desenvolvimento pedagógico das crianças.
“Se a escola, muitas vezes, não é eficaz nos seus métodos, imagina repassar isso para as famílias, famílias que precisam trabalhar? Como que faz? Quem vai educar de fato essas crianças?”, argumentou.
Goiânia
A Câmara Municipal de Goiânia possui também um projeto de lei (PL) nesse sentido. O documento foi elaborado em 2021 pela vereadora Gabriela Rodart (PTB), que trouxe a pauta à tona em uma audiência pública, realizada em junho do mesmo ano.
Ao Portal 6, a parlamentar afirmou que o intuito do encontro foi justamente dar início a um trabalho mais “cultural” do que “político”.
“O ensino doméstico já era uma pauta da minha pré-campanha [em 2020] e discutir esse tema era uma das minhas propostas. A audiência tinha como intuito desconstruir um conceito formado sobre o homeschooling”.
“Já conversei com alguns pais, educadores, profissionais liberais e autônomos que já sabiam dessa modalidade e pelo testemunho que tive deles, foi um resultado muito positivo”, explicou.
Rodart ainda apontou que existem outros países, como Reino Unido, França e Alemanha onde a aplicação do ensino domiciliar estaria sendo bem sucedido.
A respeito do PL nº 99/2021, a vereadora apontou que ele já foi avaliado pela CCJ, devolvido para correções e reenviado para apreciação, antes que possa ser debatido entre os outros membros da Câmara de Goiânia.