Desinformação, falta de apoio e filhos rejeitados: as dificuldades do planejamento familiar em Anápolis

Muitas famílias que encaram o problema vivem em extrema vulnerabilidade e especialista rebate ditado que diz que "só engravida quem quer"

Isabella Valverde Isabella Valverde -
Caso foi levado à Justiça e mulher será indenizada. (Foto: Reprodução)

Basta andar brevemente pelas ruas dos bairros mais carentes de Anápolis para perceber que, apesar de ser um tema comum, o planejamento familiar ainda é uma realidade totalmente distante de muitas pessoas que vivem em situação de vulnerabilidade.

No Residencial Copacabana, por exemplo, profissionais da área da saúde já não se surpreendem ao encontrar casos tristes, inclusive de adolescentes, que engravidam precocemente e não possuem estrutura, apoio e nem instruções para criar uma criança.

Algumas acabam, inclusive, tendo vários filhos e, por carência de informações, sendo até mesmo diagnosticadas com doenças sexualmente transmissíveis.

“Vivemos em um mundo bastante desigual. Aqui tem situações de mães na infância, de adolescentes [que engravidam] sem ao menos saber quem é o pai. Fora as doenças que estão em alto índice. Se arriscam com outras gravidezes e têm muitos filhos, sem condições financeiras e emocionais”, afirmou ao Portal 6 uma agente de saúde, em condição de anonimato, que atua no bairro.

“Tem ainda meninas que tem outros filhos com menos de um ano da gestação anterior e aquelas que já rejeitam desde o ventre e dão a criança quando nasce, sem saber quais as procedências da outra família. É muito triste”, acrescentou.

Engravida quem quer?

Dados da Organização das Nações Unidas (ONU) mostram que, no mundo, cerca de 50% das gravidezes são indesejadas. E o planejamento familiar existe justamente para que as pessoas planejem quando desejam ter filhos e não sejam surpreendidas com um teste positivo.

Apesar do SUS, ter acesso a essas medidas de prevenção ainda é um problema que afeta mais as pessoas com menor poder aquisitivo, que são as que mais sofrem para ter informações mais eficazes.

“Por incrível que pareça, ainda falta informação. A gente tenta explicar isso através das redes sociais, dos veículos de informação, dos jornais, dos blogs, mas mesmo assim tem muita gente que não tem acesso, e a contra-informação é muito complicada”, afirma a Dra. Trícia Barreto, que é ginecologista e obstetra, ao Portal 6.

Dra Trícia Barreto, ginecologista e obstetra. (Foto: Isabella Valverde/Portal 6)

Segundo a médica, também é importante sempre lembrar que aquele famoso ditado “só engravida quem quer” não é correto, já que mesmo existindo diversos tipos de métodos contraceptivos, há quem não tem acesso a eles e nenhum garante proteção total. “Um casal tem em torno de 33% de chance de engravidar a cada ciclo, isso é pouco quando se quer engravidar e muito quando não se quer engravidar”, garantiu.

SUS 

Procurada pela reportagem, a Secretaria Municipal de Saúde de Anápolis (Semusa) afirmou que, atualmente, o município oferece gratuitamente para as mulheres a pílula injetável, laqueadura e o DIU como métodos contraceptivos.

Também há um programa de planejamento familiar, sendo que, para receber qualquer um desses métodos, é necessário apenas procurar a unidade de saúde mais próxima para passar por avaliação médica e, em seguida, receber o encaminhamento para esse programa.

Em casos de procedimentos para implantação do DIU, há pacientes que relatam dificuldade com um espaço maior de espera para conseguir a inserção, já que exige uma série de exames que avaliam a saúde da mulher.

A mesma espera também vale para a laqueadura, que é um procedimento cirúrgico. Pela legislação brasileira, ela só está disponível para mulheres com mais de 25 anos ou dois filhos vivos. Se elas forem casadas, precisam ter o consentimento do companheiro.

Como os métodos funcionam

De acordo com Trícia, todos as pacientes precisam ser criteriosamente avaliadas, já que os métodos mais eficazes vão variar de organismo para organismo.

“Nós temos os métodos reversíveis, de longa duração: o DIU e o implante. Temos o DIU livre de hormônio, como o de cobre com prata, com duração de cinco anos. E outro que é chamado popularmente de DIU, mas o nome dele verdadeiro é SIU, Sistema Intra-Uterino”, apontou.

“A diferença básica entre o SIU, com hormônio, e o DIU, livre de hormônio, é que o SIU é mais seguro. A paciente diminui o fluxo ou fica sem menstruar e usa por 5 anos. O livre de hormônio tem o cobre com prata, de 5 anos de validade, e o de cobre, que dura 10 anos, a paciente menstrua. Inclusive, ela pode ter o fluxo aumentado e mais cólica”, explicou.

Alguns dos métodos contraceptivos existentes são o DIU, SIU e o Implante Hormonal. (Foto: Portal 6/ Isabella Valverde)

Outro método de longa duração é o implante hormonal, que é considerado o mais seguro. Ele diminui a chance de a mulher engravidar e pode ser aplicado em pacientes que ainda não tiveram relações sexuais.

“Ele é colocado no braço, na região subcutânea, e libera o hormônio durante três anos. A vantagem dele em relação ao DIU e o SIU é simplesmente a prevenção da gravidez. Ele é o método mais seguro que existe, mais inclusive que a ligadura de trompas”, destacou.

“Falamos dos métodos contraceptivos reversíveis de longa duração, mas existem também outros, como a pílula anticoncepcional, o anel vaginal, o adesivo, a injeção, o diafragma, o preservativo feminino ou preservativo masculino. Então, [com a devida informação] não é por falta de opção que hoje a mulher vai engravidar”, completou.

Já a famosa pílula do dia seguinte, que muitos acreditam ser um método contraceptivo, é, na verdade, apenas um recurso emergencial.

“Foi criada para casos de violência, estupros e acidentes. Você está no ato sexual e a camisinha rompeu, é um acidente. Você precisa evitar a concepção neste momento. O que você vai fazer? Usar a pílula do dia seguinte. Quando? No dia seguinte? Não! Ela deve ser usada imediatamente”, alertou.

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