Com promessa de altos salários e até mimos, chefs são disputados em Belém às vésperas da COP30
Crescimento no número de estabelecimentos em Belém tem agravado o problema de falta de mão de obra capacitada

LUCIANA CAVALCANTE
Com o título de Cidade Criativa da Gastronomia pela Unesco, Belém vive um “boom” de abertura de casas do ramo e um movimento atípico chama atenção na região. Chefs e cozinheiros estão sendo assediados por concorrentes, com oferta de altos salários e até presentes.
Além da rica culinária, a capital paraense tem a seu favor a expectativa do aumento da demanda na COP30, conferência das Nações Unidas sobre mudança climática, em novembro, que aqueceu o mercado.
O chef Paulo Anijar, proprietário dos restaurantes Santa Chicória e Com’é?! Ristorante, vem sentindo os reflexos dessa concorrência.
Segundo ele, o movimento de turistas nos estabelecimentos aumentou 50% desde que a COP foi confirmada na cidade. Em contrapartida, estima que há um déficit entre 25% e 30% no quadro de funcionários em todas as áreas, devido à escassez de mão de obra qualificada.
Dois de seus cozinheiros pediram demissão após serem assediados por concorrentes. “Uma cozinheira, que queria ser promovida a chef sem ter atingido o nível de qualificação para isso, me avisou que ia sair porque recebeu uma proposta para receber o dobro em outro lugar”, conta o empresário.
Mas o caso mais emblemático foi o de um chef que recebia “mimos” para convencê-lo a trabalhar para o concorrente.
“Ele já tinha trabalhado em uma casa do gênero e começou a receber delivery de litros de açaí, diariamente, no meu restaurante. Eu disse que, se ele quisesse sair, não poderia fazer nada e ele pediu demissão”, conta.
Segundo estimativa da Tendências Consultoria, publicada pelo jornal Valor Econômico, a COP30 deve acrescentar ao menos 1,5 ponto percentual ao PIB (Produto Interno Bruto) do Pará no curto prazo, ante o agregado do país. Assim, os analistas esperam que o PIB do Brasil cresça 2,2% em 2025, o da região norte avance 3,5%, e o do Pará, 4%.
De acordo com a Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes), o crescimento no número de estabelecimentos em Belém tem agravado o problema de falta de mão de obra capacitada, o aumento do custo de contratação de funcionários, mesmo que sem a experiência necessária, e a disputa entre os restaurantes por profissionais empregados.
“Temos uma demanda para a qual não temos oferta qualificada. Quem tem sua equipe está fazendo de tudo para segurar. Além de uma super taxação que não condiz com a entrega”, afirma a presidente do conselho de administração da entidade, Rosane Oliveira.
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A prática de assediar funcionários de outras casas, porém, é condenada pela Abrasel. Oliveira diz que ela não é comum e ocorre especialmente em novos estabelecimentos.
“Eles estão começando em um momento aflorado e querem garantir uma retaguarda forte, por isso recorrem a essa ‘garimpagem’, mas isso é imoral. Empresas com dignidade não assediam funcionários de quem está há tempos investindo neles”, critica
A associação diz que os restaurantes não têm como arcar com os altos custos oferecidos na nessa disputa e alerta para os potenciais riscos da escolha de mudar de emprego nessas circunstâncias.
“Esses estabelecimentos estão oferecendo valores irreais que não vão conseguir manter por muito tempo. Até porque o que se tem é uma expectativa de demanda, que ainda não sabemos como vai ocorrer porque nunca vivemos isso antes”, ressalta Oliveira.
Para fugir desse movimento, o restaurante Point do Açaí resolveu criar um mutirão de empregos. A casa tem cinco lojas e previsão de abrir a sexta ainda esse ano. Foram disponibilizadas 45 vagas, para diversas funções, e mais de 350 pessoas compareceram à seleção.
“Quanto mais se aproxima a COP, vai virando uma guerra por profissionais. Por isso, criamos a ação –até para que a gente se conheça pessoalmente e o candidato entenda como trabalhamos, dando todo apoio a eles, para conquistá-los e dar match”, diz o diretor operacional do grupo Pedro Andrade.
Letícia Trindade, 22, participou do mutirão, buscando usar a experiência de auxiliar administrativo para o cargo de assistente de auditoria. “Apesar de nunca ter trabalhado nessa área, já fui responsável por estoque de loja e espero que isso ajude”, conta.
A operadora de caixa Maria Cristina Brito, 63, que está há um ano desempregada, viu na iniciativa uma chance de recolocação.
“Quando vi nas redes sociais, me animei e trouxe meu currículo. Não consegui emprego [até agora] porque as pessoas ainda têm preconceito com a idade, mas dessa vez tenho esperança”, desabafa.