Palestra da Church City sobre cura gay em colégio de Anápolis causou revolta em alunos e servidores
Pastor líder da congregação, Thiago Cunha se responsabiliza pelo conteúdo das palestras e sustenta que membro da igreja só relatou a própria experiência de vida. Em nota, Seduc repudia o ocorrido e informa que abriu sindicância "para averiguação dos fatos e a devida responsabilização dos envolvidos"
Constrangimento, choro, sofrimento, angústia e falta de pertencimento. Os sentimentos citados estão cravados nos estudantes do Centro de Ensino em Período Integral (CEPI) Dr. Mauá Cavalcante Sávio, de Anápolis, desde que integrantes do movimento ‘Resgatados’, que pertencem à Church City, realizaram uma palestra na unidade escolar no primeiro semestre deste ano.
Prova disso é que, mesmo com o passar dos meses, não foi difícil puxar da memória a gangorra de sensações que o evento gerou na rotina do colégio. Isso porque, em meio a pregações, os missionários fizeram citações transfóbicas, com insinuações de ‘cura gay’.
Os relatos contando detalhes do proselitismo religioso e a forma como os missionários pregaram a ‘reversão da homossexualidade’, foram colhidos pelo jornalista do Portal 6, Samuel Leão.
Na ocasião, os alunos foram levados com a anuência dos gestores do colégio para uma quadra poliesportiva e lá teve início a preleção. O resultado foi choro de alunos assumidamente homossexuais e revolta pelo o que estavam ouvindo. Alguns, conforme contam os testemunhas a seguir, saíram do recinto em protesto, dentre eles um professor.
“Teve uma repercussão negativa porque é uma escola de periferia e temos um grande grupo LGBT que, às vezes, não é amparado em casa, mas pela comunidade escolar, sim. Então, eles vieram e magoaram muita gente […] alguns alunos choraram muito, ficaram muito para baixo. A forma de pontuar a verdade relativa e a verdade verdadeira para eles foi muito chocante”, desabafou uma servidora pública da unidade, localizada no Setor Pedro Ludovico.
“Era trans e voltou a ser cis”
A ideia de reversão da homossexualidade e gênero ficou mais clara ainda para a plateia quando o relato pessoal de uma das missionárias sustentou que havia se ‘curado’.
“Ela veio com um assunto e no meio da palestra ela mudou completamente o rumo e começou a falar sobre orientação sexual, sobre a mudança de vida que ela teve, porque antes ela era trans e agora voltou a ser cis. E no meio da palestra, ela disse que Deus curou ela do homossexualismo (sic)”, complementou uma aluna.
“É aí que as pessoas se perdem de Jesus. Eles vêm trazer a palavra de Deus e não sabem colocá-la. Porque Deus é maior do que qualquer coisa. Deus é amor. Daí muitos falaram, por que é que eu não vou à igreja? Porque Deus não me ama”, relembrou uma funcionária.
Princípio do estado laico foi ignorado
Ao Portal 6, a presidente da Comissão Nacional da Diversidade da OAB, Amanda Souto Baliza, explicou que palestras de cunho religioso podem ser realizadas em unidades escolares, mas desde que a assiduidade dos estudantes não seja obrigatória.
“O estado laico não quer dizer que não possa haver esse tipo de palestra, mas que seja algo aberto para as demais [crenças] também”, explicou.
Entretanto, alunos afirmaram que todos foram direcionados à quadra da escola para participar do ‘evento’ e, embora o termo obrigatoriedade não tenha sido firmado, houve um direcionamento sugestivo e a maioria se sentiu no dever de permanecer até o final.
A exceção teria sido um professor que, ao entender o discurso como ofensivo, levantou, puxando consigo cerca de cinco outros estudantes. “Somente eles [foram embora], mas ela problematizou bastante o assunto […] e acabou tratando como se fosse uma doença”, disse outra aluna.
Ainda de acordo com a advogada especialista, a situação relatada pode ser enquadrada como discriminação qualificada e a pena pelo crime pode ser de até cinco anos de reclusão.
“Quando a discriminação/racismo ocorre em um grupo vulnerável pode atingir essa pena. Eu oriento que as vítimas formalizem uma denúncia na Genacri”, diz – informando que a delegacia especializada tem bons resultados no estado.
O que diz a Church City
Em entrevista ao Portal 6 o pastor líder da Church City, Thiago Cunha, reconheceu que há um trabalho de uma equipe da igreja que visita colégios de Anápolis.
Segundo ele, a integrante que acompanha os missionários conta a experiência sobre os 28 anos em que ela se sentia homem, mas que sofria discriminação. “Não tem como negar o que ela viveu”, disse.
Thiago Cunha também reconhece que houve reação negativa no CEPI Dr. Mauá Cavalcante Sávio, mas alega que isso ficou restrito aos professores. “Eu me responsabilizo por tudo o que é falado na palestra”, ressaltou.
Segundo o pastor, a integrante da igreja que deu testemunho sobre a reversão da sexualidade, apenas contou a história de vida dela, sem defender a chamada ‘cura gay’.
“Para isso, ela teria que ter uma fórmula, uma receita. O que ela fala é simplesmente o que ela viveu”, destacou.
Thiago Cunha diz ainda que a contratou como secretária e, por seis meses, ela se vestiu como homem. “Aqui ela foi amada”, pontuou.
O que diz a Secretaria de Estado da Educação de Goiás
Em atenção à solicitação de informações sobre denúncia de pregações com conteúdo preconceituoso da ‘Igreja Church’ ocorridas no Centro de Ensino em Período Integral (CEPI) Doutor Mauá Cavalcante Sávio, de Anápolis, a Secretaria de Estado da Educação de Goiás (Seduc/GO) responde:
– A Seduc/GO afirma com veemência que não corrobora, em hipótese alguma, com quaisquer atitudes, atividades e ou ações que firam os preceitos constitucionais e a dignidade humana, sobretudo se envolvem o ambiente escolar;
– Todos os esforços da Seduc/GO têm sido feitos no sentido de promover em toda a rede pública estadual de ensino, o bem-estar, a fraternidade e a paz;
– Neste sentido, tão logo foi informada (nesta data de hoje) sobre denúncia de pregações de Igreja, ainda com conteúdo preconceituoso, no Cepi Doutor Mauá Cavalcante Sávio, a Seduc/GO determinou, de imediato, a abertura de sindicância para averiguação dos fatos e a devida responsabilização dos envolvidos.