Empresas enganam menores em Anápolis com falsas ofertas de emprego para ‘Jovem Aprendiz’

Ex-funcionárias explicaram ao Portal 6 como é o modus operandis dessas organizações e qual o real interesse no negócio

Davi Galvão Davi Galvão -
Empresas enganam menores em Anápolis com falsas ofertas de emprego para ‘Jovem Aprendiz’
Equipe do marketing era orientada a negar categoricamente qualquer venda de cursos. (Foto: Reprodução)

Empresas em Anápolis têm se aproveitado do desespero de pais em encontrarem oportunidades de emprego para os filhos ainda jovens e, de forma vil e coordenada, lucrando com mentiras e promessas falsas.

Portal 6 ouviu relatos de ex-funcionárias de dois desses estabelecimentos, que destrincharam o modus operandi utilizados nos golpes e como os ‘clientes’ eram atraídos para vagas na modalidade Jovem Aprendiz, mas acabavam sendo coagidos a contratarem cursos.

Em ambos os casos, o padrão era o mesmo: a equipe responsável pelo setor de telemarketing e captação de clientes, composta primariamente por adolescentes e jovens, entre 16 e 19 anos, trabalhavam em turnos de meio-período, ganhando R$ 500, e tinham que reunir a maior quantidade de cadastros possíveis.

Antes de abordarem as vítimas, a equipe já preparava banners, artes e pequenos textos padronizados, indicando a faixa etária que estavam procurando e elaborando outros detalhes da suposta “vaga de emprego”.

Banners e artes eram a principal forma de atrair novas vítimas. (Foto: Reprodução)

“A gente entrava em alguns grupos com sei lá, 100 pessoas, daí a gente entrava no privado de cada uma delas e mandava essa mensagem pronta. Também tinha por ligação, eles tinham o número de cada um. Mas hoje em dia isso não dá mais certo, o que dá mais certo é banner”, detalhou uma das ex-funcionárias, cujo nome fictício será Fátima.

Porém, quando os pais ou responsáveis iam presencialmente até o local, eram informados de que, na verdade, a vaga era para um curso de capacitação e que, ao final, o jovem seria indicado a uma empresa, o que pouquíssimas vezes acontecia.

Fátima contou que a reação dos responsáveis eram variadas, com alguns se indignando e recusando o acordo proposto. Já outros, sem enxergarem alternativas e alimentados com falsas promessas, eram convencidos a pagarem uma taxa de matrícula e se comprometiam com diversas outras mensalidades.

Fátima diz que trabalhou até meados de 2024 na empresa, em uma equipe com outros quatro atendentes responsáveis pelo marketing, mas que era difícil o time estar completo, dada as péssimas condições trabalhistas e cobrança exagerada por resultados.

“A pressão é muito grande, porque tudo depende do telemarketing. Se não tiver, não tem visita, não tem matrícula, não tem escola funcionando […] Tinha uma média de 15 a 16 cadastros por dia e não podia ser repetido, de quem não tinha interesse, não podia inventar os cadastros. Se a gente deixasse passar alguém, brigavam […] Nossa líder já chegou a bater na mesa, gritar com a gente”, relembrou.

Apesar da pressão, a equipe de telemarketing tinha um incentivo a mais para tentarem captar o maior número possível de novos clientes, dado que a cada matrícula efetuada, os jovens também lucravam R$ 10. Porém, quem mais se beneficiavam eram os funcionários uma escala acima, conhecidos como “projetos”.

Estes tinham a delicada função de convencer os pais a assinarem um contrato e se comprometerem a arcar com futuras mensalidades.

“Eles que ganhavam muito dinheiro, porque vamos supor, se a taxa da matrícula era algo na casa dos R$ 300 e eles viam que a família tinha um emprego bom, tinha mais condições, cobravam muito mais, R$ 800, R$ 900, e eles ficavam com essa diferença para eles”, contou.

Por mais que Fátima tenha admitido que as vagas de emprego eram falsas, relatou que alguns dos jovens ainda chegavam a ser contratados, após pagarem o curso por longos períodos. O mesmo, porém, não acontecia em outra empresa do ramo.

Localizada em um importante prédio próximo ao Fórum, uma funcionária do estabelecimento, que será chamada de Júlia, comentou que lá não havia sequer a possibilidade de os adolescentes conseguirem uma vaga como Jovem Aprendiz.

“Entrei lá no começo de 2024, também na captação, e fiquei quase até o final do ano. No começo, na primeira semana, realmente achei que estava ofertando vagas, em um trabalho honesto. Mas depois de um tempo, a coordenadora veio falar comigo, porque eu não estava batendo as metas. Aí ela me disse, com todas as letras, que não tinha emprego coisa nenhuma. Era só venda de cursos”, relembrou.

Mensagens eram disparadas tanto em grupos quanto no privado. (Foto: Reprodução)

Mesmo diante dessa revelação, a orientação da chefia era clara: dizer o que fosse preciso para convencer os responsáveis a comparecerem em uma entrevista presencial.

Ela contou que vários dos jovens e pais, cientes de golpes do tipo, perguntavam diretamente se a proposta se tratava de uma venda de cursos. Mesmo diante dos questionamentos, a equipe do marketing era orientada a mentir e contornar as dúvidas.

Equipe do marketing era orientada a negar categoricamente qualquer venda de cursos. (Foto: Reprodução)

Propaganda enganosa e venda casada

Em entrevista ao Portal 6, o diretor do Procon Anápolis, Longuimar José de Souza, destacou que casos do tipo eram frequentes em Anápolis, com o órgão recebendo diversas denúncias do tipo, mas que recentemente os relatos haviam caído de frequência.

Por isso, ele salientou a importância de que a população, ao se deparar com uma situação do tipo, reúna provas e evidências e busque auxílio do Procon imediatamente, para que o órgão possa identificar e investigar tais práticas.

“Se a empresa anuncia uma vaga, mas não oferta, ou obriga a contratação de cursos sem a garantia do emprego, isso caracteriza sim como propaganda enganosa”, pontuou.

A especialista em direito do consumidor, Jordana Lamounier, afirmou que casos do tipo infelizmente são comuns, com essas empresas se aproveitando da vulnerabilidade e anseio dos jovens em ingressarem no mercado de trabalho para lucrarem.

Jordana Lamounier é especialista em direito do consumidor. (Foto:Arquivo Pessoal)

“Em hipótese alguma uma vaga de emprego pode estar condicionada a contratação de um curso. A situação piora se os pais vão lá sem saber do que está acontecendo, se forem enganados a estarem lá”, destacou.

Ela destacou que, em muitas das vezes, as empresas camuflam no contrato cláusulas com multa rescisória altíssima, justamente para coibir o cliente de voltar atrás.

“Acontece que, independentemente do que estiver escrito, se houve má-fé e a captação desse cliente foi feita com base em mentiras, o contrato não vale de nada”, destacou.

Assim, é importante que a parte lesada junte provas do ocorrido, incluindo como a abordagem e oferta da vaga foi feita, além de todos os pontos levantados na negociação.

Inicialmente, Jordana recomendou que o cliente tente ir até a empresa e exigir a rescisão do contrato. Em caso de negativa, ou na cobrança de multa, o ideal é procurar acompanhamento jurídico e pleitear a devolução dos valores pagos, bem como indenização por dano moral.

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