Burocracia e descaso: o drama das crianças e adolescentes com leucemia em Anápolis

Com diagnósticos tardios e poucas unidades de tratamento especializada, vítimas de câncer lutam pela vida em um cenário onde cada segundo conta

Davi Galvão Davi Galvão -
Burocracia e descaso: o drama das crianças e adolescentes com leucemia em Anápolis
Ana Júlia passou quase 20 dias internada sem sequer receber um diagnóstico. (Foto: Arquivo pessoal/Cleide

Em um cenário caótico vivido por pacientes com leucemia (um tipo de câncer hematológico, originado nas células sanguíneas) em Anápolis, onde cada segundo após o diagnóstico pode representar a diferença entre a vida e a morte, casos extremamente delicados se arrastam em meio a dificuldade e burocracia.

A situação se mostra ainda mais desesperadora para uma parcela da população. Isso porque crianças e adolescentes com a doença têm sido obrigadas a se deslocar até Goiânia para receberem atendimento, enfrentando grandes filas e uma espera que por muita das vezes, se torna inviável.

Diretor do Núcleo Esperança – organização que se propõe a ajudar o público infantil a receber um tratamento adequado – Valber Barreto fundou o projeto após perder uma filha para a doença, que foi diagnosticada tardiamente. Desde então, resolveu fazer o possível para evitar que casos assim ocorressem com outras famílias.

Em entrevista ao Portal 6, ele afirmou que o cenário no estado é bastante preocupante, com o único centro médico capacitado a oferecer oncologia pediátrica sendo o Hospital Araújo Jorge, em Goiânia.

“O Hospital das Clínicas também pega uma parte desse público, mas a maior parte fica com o Araújo Jorge. Isso porque, de acordo com a portaria nº 1399 da Secretaria de Atenção Especializada a Saúde, o centro médico deve ter uma habilitação em hematologia [área médica que lida com doenças que afetam o sangue, como a leucemia] para tratar casos assim”.

Conforme explicado por Valber, nenhuma das duas Unidades de Alta Complexidade em Oncologia (UNACON) de Anápolis – Hospital Evangélico Goiano (HEG) e a Santa Casa –  responsáveis por tratar os tipos de câncer mais prevalentes, contemplam casos que envolvem hematologia.

Semusa e Semed estão localizadas no prédio da Papelaria Tributária, em Anápolis. (Foto: Ayrlan Barbosa)

“Parece haver uma falta de interesse do Estado com realmente ajudar essas famílias”, denunciou.

Diagnóstico demorado

Apesar disso, Valber ainda afirma que mais uma dificuldade se apresenta em casos tão sensíveis como estes. Ao lidar com doenças tão severas, especialmente em crianças, onde cada segundo conta, o sistema de saúde do estado ainda se mostra, em diversos momentos, ineficiente e demorado.

A pequena Ana Júlia, de 07 anos e que sofria desde os 06 com a leucemia, é prova desse descaso. É como explicou a mãe da garota, Cleide Maria, moradora de Goianápolis, que levou a filha ao Hospital Estadual da Criança e do Adolescente (HECAD) no começo de 2022.

“Os médicos não sabiam dizer o que tinha acontecido com a minha filha, não explicavam direito, não tinham um diagnóstico para me dar. Foram 20 dias internada com eu do lado dela, dormindo no hospital, até descobrirem que ela estava com câncer”, relatou.

Mesmo após o diagnóstico, a consulta no Araújo Jorge ainda demoraria um mês, mas o processo foi adiantado graças ao esforço do médico que atendia a pequena. Foram cinco meses internada até que conseguisse ser transferida para o Hospital Israelita Albert Einstein, onde realizou um transplante de medula óssea.

Já com um ano desde a intervenção cirúrgica, vem apresentando um quadro clínico bastante promissor,

“É uma sensação complicada né, porque se tivessem demorado um pouco mais… ela podia ter, até difícil falar”, lamentou.

Muita burocracia

Mãe de um jovem que sofre de linfoma – câncer que afeta os glóbulos brancos no sangue – a anapolina Divinete Alves descobriu a condição do filho, João Paulo quando ele tinha apenas 04 anos. Apesar de ter tido uma recessão quase completa da doença, ela voltou a se manifestar no ano passado. Hoje, com 15 anos, a luta do adolescente a da família continua.

Divinete afirmou que, desde a reincidência da doença, não consegue tratamento para o filho em Anápolis e necessitou do apoio do Núcleo Esperança para conseguir uma vaga no Araújo Jorge, na capital.

“O atendimento que eles fazem lá, apesar da fila de espera, realmente é muito bom, eles tentam ajudar o máximo que conseguem. O problema é que tem que tudo ser feito de forma presencial, até mesmo para marcar exames. E quando volta para Anápolis, se a gente precisa de algum exame daqui né, para a Prefeitura autorizar, a espera é gigante”

Ela comenta que embora a maioria dos exames de alto custo sejam ofertados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), a fila de espera é imensa. Em um episódio recente, ela revelou que, ao solicitar um simples hemograma na Secretaria Municipal de Saúde (Semusa) no começo de junho,

O que diz a Semusa

Questionada previamente pela reportagem, a Semusa disse apenas que possui 165 pacientes onco-hematológico em tratamento no Hospital Evangélico Goiano (HEG), e que os casos de leucemia estão sendo repassados para o Estado.

Alegou ainda que “os tratamentos de alta complexidade são de responsabilidade do Estado e da União”.

O que diz a Secretaria de Estado da Saúde

O Portal 6 também já havia procurado a Secretaria da Saúde para tratar a respeito do tema.

A pasta sustentou que pessoas com leucemia “devem ser atendidas em Goiânia”, sob a justificativa de a capital ter duas unidades de referência no tratamento desse tipo de câncer.

A secretaria também afirmou haver um processo de auditoria em andamento para apoiar Anápolis na implantação e habilitação do HEG como mais um serviço de referência em onco-hematologia no estado.

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