Tragédia familiar gera tradição solidária em Anápolis: “uma homenagem também à memória”
Tudo começou só com um café preto, uma coca-cola e um bolo. Com o tempo se tornou uma ação que mobiliza vários trabalhadores
Em dezembro de 2020, a família do pequeno Ruan, na época com apenas 1 ano e 8 meses, resolveu preparar um café da manhã para os coletores de lixo. Diagnosticado com autismo e apresentando dificuldades na fala, o gesto se deu em razão do menino ser apaixonado pelos profissionais, mas, no mesmo dia, a celebração foi interrompida por uma tragédia.
Após realizarem o café, montado na porta da própria casa, no bairro Copacabana, em Anápolis, o irmão mais velho do pequeno resolveu ir marcar um jogo de futebol e foi até o campo de bicicleta. Ao retornar, passando pela avenida Pedro Ludovico, Haryell Silva Roque, na época com 16 anos, foi atropelado e morto.
O trauma abalou a família, que já se esforçava para dar uma educação inclusiva e caprichosa para os meninos, e que teve que lidar com o luto e explicar todo ocorrido ao pequeno Ruan.
Ao Portal 6, a mãe, Weslania Silva, de 43 anos, contou que a tragédia tirou a paz da família, que viu um dos filhos sem vida em plena via pública, em razão do acidente ter ocorrido a apenas 2 km.
“O telefone do meu esposo tocou, na igreja, e era uma mulher, usando o telefone da avó paterna – minha mãe. Ao fundo, dava para ouvir os gritos e o pranto dela, no local do acidente. Pela ligação, nos contaram do acidente e então corremos até lá”, desabafou.
Ao chegar no local, o adolescente já não possuía mais fôlego de vida, e o motorista responsável havia fugido, sem prestar socorro. A situação os desolou, mas, com o passar do tempo, perceberam que o pequeno Ruan ainda precisava deles, na realidade, agora mais do que nunca, e resolveram unir duas coisas em uma só.
“O que era um momento que fazia bem para o Ruan, quando ele exercitava a fala, interagia com os coletores e todos comiam juntos, adquiriu um novo significado. Decidimos continuar realizando o café da manhã com os coletores, na mesma data, como uma homenagem também à memória do Haryell”, contou.
Ressignificação
Quatro anos se passaram, com a tradição sendo mantida e o pequeno Ruan se tornando “não tão pequeno assim”, chegando aos 4 anos e mantendo a paixão pelos coletores. Com todo o capricho dos pais, eles passaram a realizar o encontro em um local maior, e receberam também o carinho retribuído, não só pelos trabalhadores, mas até pela empresa.
“Segunda, quarta e sexta são os dias que eles passam por aqui. A interação com os coletores serviu como terapia para o Ruan, que também se tratava na Apae. A própria Quebec Ambiental adesivou o caminhão em homenagem a ele, com o símbolo do autismo, e agora ele fala que é o caminhão dele”, comemorou a mãe.
Tudo começou só com um café preto, uma coca-cola e um bolo, feito pela própria Weslania, e com o tempo se tornou uma ação que mobiliza vários trabalhadores, com o acompanhamento também de policiais militares. Neste ano, lembrancinhas também foram dadas para cada um que compareceu.
“É muito lindo o que eles fizeram por nós, adesivando o caminhão. A gente faz uma boa ação, sem olhar a quem, e Deus nos abençoa também. A Justiça ainda vai chegar, e nosso filho Haryell não será esquecido, seguimos com fé em nosso Deus, e com muito orgulho e carinho do nosso filho autista”, finalizou.