Estudo descobre droga que reduz mortes por Covid e ventilação invasiva
Phillippe Watanabe, de SP – O anticorpo monoclonal tocilizumabe abrevia o tempo de internação, diminui a necessidade de ventilação invasiva e reduz a mortalidade em pessoas com Covid-19. Segundo o Recovery, grande estudo randomizado britânico de terapias contra a doença, a droga se mostrou efetiva contra a Covid em pacientes hospitalizados com hipóxia e quadro de inflamação. O problema para uso dela, porém, é o preço e a disponibilidade.
O tocilizumabe é a segunda droga efetiva encontrada contra a Covid-19. A primeira, também com efeito de redução de mortalidade observado a partir do estudo Recovery, foi o barato corticoide dexametasona.
Segundo os dados do pré-print disponibilizado (o estudo ainda não foi revisado por pares e publicado em uma revista especializada), foi observada uma redução de 4% na mortalidade, após 28 dias, entre os pacientes que receberam o tratamento padrão e os que receberam tocilizumabe.
Isso significaria que uma vida é salva a cada 25 pacientes graves que tomam tocilizumabe.
A pesquisa do Recovery com a droga ocorreu em 39 centros, entre 23 de abril de 2020 e 24 de janeiro de 2021.
Os pesquisadores avaliaram 2.022 pacientes que foram, de modo aleatório, designados a tomar tocilizumabe e 2.094 que foram atendidos com o tratamento padrão.
Segundo os cientistas, os benefícios no uso da droga foram observados em todos os subgrupos analisados na pesquisa, independentemente do nível de suporte respiratório e são adicionais ao efeito observado com o uso de cortiesteroide, ou seja, dexametasona.
“É uma boa notícia para os pacientes e para os serviços de saúde no Reino Unido e em todo mundo”, diz, em comunicado, Martin Landray, professor de epidemiologia da Universidade de Oxford e um dos investigadores do estudo Recovery.
Os pacientes receberam uma dose (variando de acordo com o peso de cada um) de tocilizumabe intravenoso, durante 60 minutos. Havia a possibilidade de uma segunda dose, após 12 ou 24 horas, dependendo da melhora de condição de saúde ou não observada pelo médico que acompanhava o paciente.
Os profissionais que aplicavam o tratamento e o paciente não estava cegos para a droga, mas os pesquisadores e todos os demais envolvidos no estudo foram cegados sobre as informações de quem era tratado ou não com o medicamento (a prática é feita para evitar vieses de observação, que poderiam, por exemplo, favorecer os resultados observados no grupo que foi tratado com o medicamento).
Até o momento, os resultados sobre o tocilizumabe não tinham, de forma geral, mostrado benefício significativo na diminuição de mortalidade.
O estudo da Coalizão Covid-19, aliança dos hospitais Albert-Einstein, o HCor, Sírio-Libanês, Moinhos de Vento, Oswaldo Cruz e Beneficência Portuguesa de São Paulo, além do Brazilian Clinical Research Institute (BCRI) e da Rede Brasileira de Pesquisa em Terapia Intensiva (BRICNet), por exemplo, não tinha observado melhora nos pacientes graves da doença que tomaram a droga.
Segundo Luciano Azevedo, professor de terapia intensiva da USP, pesquisador do Hospital Sírio-Libanês e um dos membros do estudo da Coalizão, a diferença de resultados se deve, possivelmente, à avaliação de desfechos diferentes e à escala dos dois estudos. A pesquisa da Coalizão tinha pouco mais de 100 participantes e teve um pequeno número de mortes. Já o Recovery tinha mais de 4.000 pessoas. A presença de mais possibilitou a observação do benefício.
Azevedo afirma que, apesar de o tocilizumabe ter tido impacto confirmado e se mostrar como uma forma adicional de terapia, a aplicação da droga para pacientes com Covid no Brasil, por exemplo, é difícil.
“A grande questão é a disponibilidade. A dexametasona é conhecida há décadas, está disponivel em todo lugar. O tocilizumabe não”, diz o pesquisador do Sírio-Libanês. “Em muitos hospitais grandes, mesmo nas capitais, é de uso limitado pelo seu custo.”
O valor do medicamento da Roche está na casa dos milhares de reais por ampola.
Tânia Vergara, presidente da Sociedade de Infectologia do Rio de Janeiro, afirma que, do ponto de vista de saúde pública, deve-se fazer uma análise do custo-benefício do uso da droga. Ela elogiou o desenho do estudo, mas disse que os dados são limítrofes. “O resultado é que, apesar de se mostrar uma alternativa, não é tão bom quanto desejaríamos”, diz.
O professor de doenças infecciosas da Univerdade de Oxford e um dos principais investigadores do Recovery Peter Horby afirma, em comunicado, que até o momento, pelos resultados de estudos anteriores, não estava claro para quais pacientes o tratamento poderia ser útil.
“Agora sabemos que os benefícios do tocilizumabe se estendem para todos os pacientes com Covid com baixos níveis de oxigênio e inflamação significativa”, diz o pesquisador. “O impacto duplo de dexametasona mais tocilizumabe é impressionante e muito bem-vindo.”
Landray afirmou que é substancial o impacto do uso conjunto da dexametasona com o tocilizumabe.
Segundo Azevedo, um ponto a se verificar em estudos futuros é a possibilidade de aumento da dose de dexametasona. No Recovery, foi usada uma dose de 6 mg, considerada como padrão no tratamento para Covid-19 grave. “Será que não faria o mesmo efeito se, em vez de eu dar o tocilizumabe, eu aumentasse a dose da dexametasona?”, questiona.
Os autores do Recovery afirmam que sete estudos randomizados e com grupo controle tinham sido observados até o momento, mas seis deles com menos de 100 mortes registradas. O sétimo era a pesquisa Remap-cap, maior. A partir dos resultados preliminares desse último estudo, o Reino Unido já passou a adotar a droga em hospitais.
De acordo com os autores, com todos os dados reunidos das oito pesquisas sobre a droga randomizadas e com grupo controle, observa-se uma uma redução de mortalidade, após 28 dias, de cerca de 13% nos pacientes que tomaram tocilizumabe.
“Nossos dados sugerem que, em pacientes com Covid-19 que estão com hipóxia e têm evidência de inflamação sistêmica, o tratamento combinado de cortiesteroides [dexametasona] e tocilizumabe, a redução da mortalidade pode chegar a cerca de um terço para as pessoas que estiverem recebendo só oxigênio e até 50% para os que estão recebendo ventilação mecânica invasiva”, afirmam os pesquisadores.
Leonardo Weissmann, consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia e médico do Hospital Emílio Ribas, lembra que os dados, apesar de interessantes, são preliminares e que é importante observar a revisão por mais cientistas e a publicação em periódicos científicos.
Mesmo com as dificuldades de uso acesso e custo, trata-se de uma nova medicação para tratar Covid. “Se eu tiver um paciente com as características necessárias para uso, em um hospital com tocilizumabe, eu tenho que prescrever”, afirma Azevedo. “É uma mudança no tratamento, baseada em evidência, mas que não vai poder ser aplicado em todos lugares.”
O uso para Covid do tocilizumabe (utilizado no tratamento de artrite reumatoide) e da dexametasona é semelhante, buscando diminuir o processo inflamatório no corpo. Mas, enquanto a dexametasona tem um efeito mais amplo no quadro de inflamação, o tocilizumabe age especificamente sobre a interleucina-6 –que, por sua vez, tem também um efeito dinâmico na cadeia inflamatória.
A grande ativação do sistema de defesa do corpo, o que causa uma “tempestade inflamatória”, é um motivos pelos quais as pessoas acabam morrendo pela doença.