Cristianópolis, onde Marília Mendonça nasceu, se sente esquecida pela estrela morta
É o que dizem alguns dos pouquíssimos moradores da cidade que saíram de suas casas, ranchos ou fazendas
Chegar hoje a Cristianópolis não é muito diferente de quando Ruth Moreira Dias deixou Aparecida de Goiânia, município colado na capital goiana, para ter sua primeira filha, Marília Mendonça, em 1995. Mudou a avenida principal, o lago na entrada ganhou um letreiro com o nome do lugar, os supermercados cresceram e as igrejas se multiplicaram -mas o sentimento de inércia continua intacto.
É o que dizem alguns dos pouquíssimos moradores da cidade que saíram de suas casas, ranchos ou fazendas neste domingo. Até a última sexta-feira, é difícil imaginar que alguém além dos poucos mais de 3.000 habitantes conhecessem o nome de Cristianópolis. Talvez o pequeno município há cerca de 90 quilômetros de Goiânia fosse lembrado como o berço de Iris Rezende, ex-governador do estado e ex-prefeito da capital, além de senador e ministro, mas que não é tão ligado assim com a cidade.
Desde a morte de Marília Mendonça, num acidente de avião, Cristianópolis esteve nas bocas dos apresentadores das principais emissoras de TV aberta, na internet e no rádio de todo o Brasil. Para o município fundado nos anos 1950, que nunca foi palco de nenhum tipo de evento midiático, é certamente seu momento de maior protagonismo em toda a história.
O lugar onde Mendonça nasceu, um hospital recém-reformado na rua Ricardo do Vale, nunca foi tão visitado nos últimos dias.
“Parece que até o [jornalista] Roberto Cabrini veio aqui”, comenta uma mulher, fã do jornalista e apresentador, que por poucos minutos não encontrou o apresentador da Record e sua equipe de filmagem.
Não fosse a passagem dos jornalistas, este seria como um dia qualquer na cidade. Assim como na véspera, quando milhares de pessoas foram se despedir de Mendonça num velório aberto em Goiânia, e o dia anterior. Não que os moradores de Cristianópolis não gostassem da cantora. Na região, o sertanejo domina, e há naturalmente diversos fãs da rainha da sofrência por ali. Só não em maior proporção que qualquer outra cidade do estado.
Uma funcionária de supermercado diz que as pessoas estão lamentando o acidente e que amavam as músicas de Mendonça, mas que não sabem de histórias da cantora na cidade.
“Todo mundo ficou muito triste. Parece que ela só nasceu aqui, né? Acho que só os mais antigos devem saber.”
Três pessoas bebendo cerveja num botequim ao lado dizem que só mais recentemente souberam que Mendonça tinha nascido em Cristianópolis.
“Parece que ela falou num programa de TV. Mas nunca vi ela falando muito daqui não”, diz. O que não está em questão é seu talento. “Era uma compositora muito boa, uma cantora muito boa mesmo.”
É possível que, em breve, o hospital em que de fato nasceu a cantora venha a ganhar o nome dela –pelo menos essa é a ideia da atual prefeita, Juliana da Farmácia, do DEM. Seria uma indicação mais clara da ligação da artista, ídolo nacional, até para os próprios moradores.
Antes disso, as pessoas sabiam que ela tinha nascido em Cristianópolis por meio das participações dela em programas da Globo. Primeiro no “Encontro”, com Fátima Bernardes, e depois no “Domingão”, então com o Faustão. Foi quando a costureira Aparecida Alves Ribeiro, a dona Cida, descobriu que a recém-nascida que ela amamentou –porque a mãe estava sentindo fortes dores após o parto– era uma cantora nacionalmente conhecida.
Entre as dezenas de plantas que ela vende para viver, Cida contou o passo a passo de um dia que nunca saiu da cabeça dela. Grávida da primeira filha, ela deu à luz em um parto normal, e conseguiu ajudar Ruth Moreira, que fez uma cesárea, a amamentar a menina em seus primeiros momentos de vida.
A mãe de Mendonça nunca morou em Cristianópolis, mas conhecia um médico, famoso por fazer partos do tipo –procedimento caro nos anos 1990–, e viajou cerca de uma hora para ter a criança com ele. Os dias que envolveram o nascimento da futura estrela da música nacional talvez tenham sido os únicos em que ela esteve na cidade.
Nem por isso foram dias irrelevantes. No “Faustão”, a mãe de Mendonça, aos prantos, contou que teve três paradas cardíacas no dia do nascimento da filha, algo que a assustou no momento. Foi a enfermeira Cláudia Borges Magalhães, que ainda trabalha no hospital, quem deu a ideia de levar a menina para ser amamentada por Cida em seus primeiros momentos de vida.
A costureira, que hoje vende plantas, lembra com detalhes os acontecimentos confirmados pelos registros até agora guardados do hospital.
“Como, no parto normal, você tem alta mais cedo, eu fui embora. Não sabia o nome nem nada, só que era de Goiânia. E, depois desse dia, sempre me perguntei onde estaria aquela criança que eu peguei no colo, que eu amamentei. Sempre quis saber daquela criança.”
Décadas se passaram até que Cida assistisse às participações de Mendonça nos programas da Globo e depois checasse os registros para confirmar que deu de mamar à cantora. A partir de então, ela passou a tentar como podia entrar em contato com a artista. Pediu que as filhas mandassem mensagem no Instagram e procurou por ela em Goiânia, mas sem sucesso.
“Elas me diziam que, passando a pandemia, iriam me levar num show para eu conhecer a Marília.”
Com a morte da cantora, ela ficou desolada, pensou na filha nascida no mesmo dia que Mendonça e, principalmente, em Ruth Moreira, que ela deseja conhecer no futuro.
“Não queria estar dando essas entrevistas”, diz a costureira, que falou com mais de 12 veículos de imprensa nos últimos dias. “Queria ter falado com ela, e com a mãe dela, para que elas ficassem sabendo, antes.”
Cida também carrega uma ponta de frustração compartilhada com parte da população de Cristianópolis –a de nunca ter visto Mendonça se apresentar na cidade.
“Algumas pessoas daqui diziam que as autoridades iam trazer ela para cantar aqui, e eu ia conhecer, mas nunca aconteceu. As pessoas questionam porque ela nunca veio cantar aqui. Acho que foi falta de convidar ela, de pagar um show dela e mostrar ela em Cristianópolis. Acho que só faltou isso, porque ela viria de boa. Ela sempre se mostrou como uma pessoa humilde.”