Chip da beleza e os riscos para o coração
Relatos de efeitos adversos associados ao uso de implantes em mulheres aumentam a cada dia e é preciso estar atentas
Muito se fala sobre implantes hormonais, mas hoje está em alta o chip da beleza, mas poucos falam sobre seus riscos ao corpo.
E o que é?
Gestrinona é um hormônio esteróide progestágeno sintético derivado da 19- nortestosterona que possui propriedades androgênicas, antiestrogênicas e antiprogestogênica. Outra ação dela é inibir a liberação de gonadotrofinas pela hipófise.
A gestrinona começou a ser estudada para tratamento da endometriose por via oral no final dos anos 70. Entretanto, não existem estudos de segurança e eficácia da gestrinona para tratamento de endometriose por uso parenteral, particularmente, por meio de implantes.
A gestrinona também é um hormônio com ações anabolizantes e, por isso, está na lista de substâncias proibidas no esporte da World Anti-Doping Agency (WADA).
Seus efeitos?
Por seus possíveis efeitos androgênicos (como diminuição de massa gorda, aumento de massa muscular, aumento de libido), a gestrinona tem sido usada erroneamente por mulheres na busca de melhora da performance física e estética.
Os relatos de efeitos adversos associados ao uso de implantes de gestrinona e outros hormônios androgênicos em mulheres aumentam a cada dia: acne, aumento de oleosidade de pele, queda de cabelo, aumento de pelos, mudança de timbre da voz, clitoromegalia.
O sexo feminino tem um metabolismo diferente, com a proteção do sistema cardiovascular pelos hormônios femininos. Com o implante, o organismo muda para um perfil mais androgênico (mais masculino).
O resultado é a diminuição do HDL-c (o famoso “colesterol bom”) e o aumento do LDL-c (ou “colesterol ruim”). Fora isso, não existem estudos que comprovem que essa utilização não aumenta os riscos de infarto e de Acidente Vascular Cerebral (AVC).
Para as mulheres, em especial as de alto risco cardiovascular e as que estão na menopausa, o perigo é ainda maior. A administração de andrógenos também está associada a maior produção de proteínas trombóticas e coagulantes do próprio organismo.
Existe, inclusive, uma ligação com casos de morte súbita em jovens atletas, que não tinham doenças cardíacas previamente conhecidas, mas que faziam uso dessas substâncias.
É aprovado para uso?
Como atualmente não existe produção de gestrinona oral pela indústria farmacêutica no Brasil, o uso abusivo de gestrinona tem sido feito por meio de implantes hormonais (isolada ou associada a outros hormônios).
Medicamentos contendo substâncias anabolizantes são sujeitos ao controle especial no Brasil. A dispensação em farmácias requer Receita de Controle Especial (RCE) em duas vias. E diferente de outras prescrições, essa receita médica deve conter o CPF do prescritor e o CID da doença do paciente.
Quais indicações?
Vale a pena ressaltar que a indicação de uso de derivados androgênicos em mulheres (incluindo a testosterona) é restrita a poucas situações, como o transtorno do desejo sexual hipoativo (TDSH) em mulheres na pós-menopausa.
Não existe indicação médica formal de uso de testosterona e outros derivados androgênicos (incluindo a gestrinona) para mulheres na pré-menopausa com TDSH. No Brasil, a utilização de implantes hormonais utilizando esteróides sexuais e seus derivados aumenta de forma avassaladora.
Por serem apresentações customizáveis, existe um real risco de superdosagem e de subdosagem. Outro ponto importante é a falta de rótulo e de bula completa destes implantes, deixando a paciente sem as devidas informações básicas sobre indicações aprovadas pela agência regulatória, posologia, interações medicamentosas, estudos de segurança e eficácia e efeitos adversos.
Há evidências científicas pra uso?
Recentemente, pesquisadores norte-americanos demonstraram que mulheres que utilizavam implantes hormonais tiveram uma incidência significativamente maior de efeitos colaterais do que aquelas que utilizavam hormônios aprovados pelo Food and Drug Administration (FDA) e comercializados nas farmácias alopáticas, bem como apresentaram níveis supra fisiológicos significativamente mais altos de estradiol e testosterona durante o tratamento.
É mais uma prova cabal dos riscos do uso de implantes hormonais customizáveis e da busca do seu efeito anabolizante. Implante de gestrinona não é uma opção terapêutica reconhecida e recomendada pela Endocrine Society (Sociedade de Endocrinologia Americana), pela North American Menopause Society (Sociedade Americana de Menopausa – NAMS) e pela Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO).
A justificativa é por não estar de acordo com a padronização de medicamentos hormonais, por não ter aprovação de uso pelas diferentes agências regulatórias em diversos países e, principalmente, por não existirem evidências científicas de qualidade referentes à eficácia e segurança dos implantes de gestrinona.
Por meio de uma nota técnica a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) se posicionou sobre o uso de implantes de gestrinona em 06 de Novembro de 2021, mas mesmo assim ainda vemos muitos médicos indicando uso de uma substância que não tem aprovação para uso pelas agências regulatórias e não há evidências científicas de qualidade referentes à eficácia e segurança dos implantes de gestrinona, os chips da beleza.
Rizek Hajjar Gomides é médico, formado pela Uniceplac – Brasília. Especialista em Clínica Médica pelo Hospital IGESP – SP. Especialista em Cardiologia pelo Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – InCor. Fellow em CardioOncologia pelo Instituto do Câncer do Estado de São Paulo – ICESP e InCor.
Tem consultório próprio em São Paulo e escreve nas quartas-feiras no Portal 6. Siga-o no Instagram.