Instituto Nefrológico de Anápolis vai fechar as portas e pacientes temem ficar sem tratamento de hemodiálise
Com o fechamento, Fundação James Fanstone será a única unidade vinculada ao SUS realizando o procedimento na cidade

O Instituto Nefrológico de Anápolis (Inan), que atualmente atende cerca de 90 pacientes, irá encerrar as atividades no dia 25 de outubro. A atual gestão afirma que vem trabalhando no vermelho há meses, até a situação se tornar insustentável. Porém, garantiu que todos os que fazem tratamento serão realocados para a Fundação James Fanstone.
A afirmação, entretanto, trouxe preocupação e receio aos pacientes ouvidos pela reportagem e também àqueles que lutam por uma vaga para realizar procedimentos de diálise. Isso porque o fechamento do Inan torna a James Fanstone o único centro capacitado para os procedimentos e vinculado ao Sistema Único de Saúde (SUS).
Se já era difícil conseguir uma vaga, a situação só tende a piorar.
Este é o caso, por exemplo, de Vandeir Antônio de Moraes, de 59 anos. Personalidade bastante conhecida no Jardim América, ele tinha participação ativa na comunidade da Igreja São João Batista e foi professor no Senai por mais de uma década, ensinando a jovens o ofício de lanternagem e pintura.
Porém, toda essa rotina de risadas fáceis e ajuda pronta mudou drasticamente após um grave problema nos rins.
Em entrevista ao Portal 6, Ana Caroline, filha de Vandeir, contou que o pai já enfrentava um problema crônico, mas a condição se agravou no começo de setembro, sendo necessária uma internação de urgência no Hospital Municipal Alfredo Abrahão.
Por lá, três vezes por semana, ele passa por sessões de hemodiálise. Porém, o procedimento não é o ideal para a situação dele.

A personalidade alegre e cativante de Devair agora aguarda, sem previsão de alta, a liberação de uma vaga para hemodiálise. (Foto: Arquivo Pessoal)
Isso porque pacientes que realizam o procedimento de hemodiálise em hospitais só podem ser liberados quando uma vaga em outra unidade é confirmada, por mais que tenham condições de receber alta.
Tal paradigma, além de representar maior desgaste ao enfermo e a família, também “trava” um leito que poderia estar sendo utilizado para outra finalidade.
Menos opções
Antigamente, havia três opções de instituições que atendiam casos do tipo em Anápolis – o Inan, a James Fanstone e o Hospital de Doenças Renais. Em três semanas, porém, toda essa demanda será concentrada em apenas uma unidade.
“Meu pai é um homem de muita fé, quem conhece sabe. A gente evita falar a dificuldade que tá aqui fora pra ele, mas não está nada fácil. Quanto mais tempo no hospital, mais desgaste pra gente e especialmente para ele. A cada dia aumenta a chance de uma complicação, de pegar uma infecção. Parece que só esqueceram ele ali e, se a gente não correr atrás, vai ficar por isso mesmo”, lamentou Ana, sem conseguir conter o choro.
Importante mencionar que essa retenção de pacientes não ocorre só no Alfredo Abrahão. Conforme apuração do Portal 6, no Hospital Estadual de Anápolis Dr. Henrique Santillo (Heana), outras cinco pessoas estão na mesma situação. Na Santa Casa, há mais uma que não consegue vaga.
Funcionários do Inan comentaram que a fila de espera já conta com cerca de 20 pessoas necessitadas do tratamento.
De quem é a pauta da saúde?
Ao lado do drama de quem aguarda em hospitais a liberação de uma vaga, há também o medo e o receio de quem já é atendido pelo Inan e segue sem saber ao certo onde o atendimento será realizado ou mesmo se haverá vagas para todos.
Isso porque, dentro do próprio Instituto, ainda não foi comunicado de forma oficial aos pacientes o futuro que lhes é reservado. Embora a maioria tenha compreensão de que as atividades serão encerradas, pouco ou nada foi discutido a respeito da realocação para a James Fanstone.
Juliana Correa de Paiva Santos, que acompanha a mãe nas sessões de hemodiálise no Inan há cinco anos, contou que o drama enfrentado pelo Instituto é antigo.
Segundo ela, os próprios pacientes tiveram de, no ano passado, ir até o Ministério Público lutar pela manutenção das atividades. Foi graças a essa mobilização e aos esforços da gestão que as portas seguem abertas, ao menos até o final deste mês.
“A gente não sabe para onde vai, ninguém, nenhum vereador fez nada para ajudar. Alguns disseram que iam olhar, mas, no final, falam que não é a pauta deles. Então, de quem é? De quem é a pauta da saúde? Quem olha por nós?”, questionou.
No vermelho
Em entrevista ao Portal 6, o nefrologista Sérgio da Mota Silva, gestor responsável pelo Inan, explicou que há anos o Instituto trabalha no vermelho, tendo de subsidiar boa parte do valor das sessões para não paralisar os atendimentos.
Primeiramente, ele destacou que o cenário caótico não é restrito ao município, uma vez que o setor de diálise está, há muito, sendo subfinanciado pelo Governo Federal.
Isso porque o SUS envia cerca de R$ 240 por sessão de hemodiálise à Prefeitura, que fica responsável pelo repasse. Apesar da cifra representar um aumento em relação aos R$ 220 anteriores, ainda está muito abaixo do custo real, nas palavras do médico.
Para uma instituição privada, como o Inan, a carga tributária gira em torno de 30%, de modo que o montante deveria ser de pelo menos R$ 350 para assegurar insumos, pessoal e manutenção do maquinário.
Os números também revelam uma preocupação nacional, já que os valores são repassados de forma similar em todo o país, o que preocupa especialistas na área.
Apesar de crítica, ele reforçou que o Instituto já passou por situações ainda mais precárias, como no período de agosto a novembro do ano passado, quando absolutamente nenhum repasse foi feito por parte da gestão Roberto Naves.
Antes de tomar a decisão final de encerrar as atividades, Sérgio comentou que o Inan tentou angariar subsídios do município e do estado, mas sem sucesso.
Como vai funcionar
Sem conseguir dar continuidade aos atendimentos, a proposta firmada entre o Ministério Público e a Prefeitura foi de que os cerca de 90 pacientes do Inan continuem sendo atendidos na Fundação James Fanstone, que já atende aproximadamente 190 pessoas.
Para comportar esse aumento expressivo, a unidade aumentará um turno em todos os dias de atendimento, que acontecem de segunda a sábado, totalizando quatro turnos na segunda, quarta e sexta e três nos dias de terça, quinta e sábado.
Sérgio avaliou tal mudança com extrema preocupação e considera essa sobrecarga de altíssimo risco, embora reconheça que a decisão política da Prefeitura foi possivelmente a única alternativa no momento, devido aos custos.
“Acontece que essa sobrecarga é de altíssimo risco. Porque você vai utilizar as máquinas de forma intensiva, com risco de paralisação dos equipamentos […] Lá você tem máquinas com 30 mil horas de uso, o limite que a gente fala é 45 mil. E agora vão ter que trabalhar sem parar, por um turno a mais todo dia. Você vai ter que contratar mais funcionários, contratar mais médicos, enfermeiros”, exemplificou.
Ainda sobre os riscos de concentrar todos os pacientes de hemodiálise em um só lugar, ele relembrou um episódio no qual fios de cobre foram roubados de um gerador da Fundação Santa Paula, fazendo com que 12 máquinas utilizadas no processo queimassem de uma vez.
Apesar disso, ele afirmou que, como a Fundação James Fanstone tem caráter filantrópico, a carga tributária que recai lá é menor, de modo que as atividades podem ser realizadas com uma “folga” financeira maior.
Como parte desse período emergencial, o MP também impôs um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) à Prefeitura, que tem até o dia 30 de março de 2026 para propor uma solução definitiva para o problema.
Por sua vez, o Executivo afirmou ao Portal 6 que, até o dia 31 de março será aberta uma nova unidade com no mínimo 30 máquinas.
Confira a nota da Prefeitura na íntegra:
“A Secretária Municipal de Saúde vem trabalhando em prol de garantir a continuidade do tratamento dos pacientes que fazem hemodiálise no município com qualidade e segurança.
Todos os pacientes que fazem hemodiálise no INAN serão transferidos para a fundação James Fanstone, que abrirá novos turnos para absorver essa demanda de pacientes de forma segura e com qualidade.
Em relação ao TAC proposto pelo MP, as ações já estão em andamento. A transferência dos pacientes terá início no dia 25/10/2025 e existe um prazo máximo até o dia 31/03/2026 para a abertura de uma nova unidade com no mínimo 30 máquinas.”
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