Diabetes, mãos amputadas e até morte: como a alimentação “humana” dos macacos da UFG se tornou fatal
Animais consomem energético, salgados e doces regularmente, desencadeando uma série de problemas que afetam até os humanos
Registros de animais tomando energético, comendo marmita e até com palheiro na boca no campus samambaia da Universidade Federal de Goiás (UFG) em Goiânia circulam na internet com alcance nacional. Porém, a visão cômica esconde uma triste realidade que afeta não só a saúde dos macacos, como também dos humanos.
Quem passa pelo campus já recebe a advertência: “Cuidado ao andar com comida, vai ser assaltado pelo macacos”. Alunos almoçam com mãos firmes no pratos e olhos atentos e, diariamente e sem surpresa, alguém é visto correndo de um dos animais – se não um bando inteiro.
Então, ocasionalmente, um macaco é visto em contextos ainda mais peculiares, como foi registrado por um estudante e postado no Twitter.
macaquinho tomando monster in ufg pic.twitter.com/Sfo31EpSf8
— hemi hahahaha (@arexoconnor) November 9, 2023
Cenas absurdas são tão comuns que abriram espaço para a criação da lenda de que os animais são veteranos jubilados que ali ficaram.
ATENÇÃO ACHARAM UM MAMACO FUMANDO PAIEIRO NO PÁTIO DAS LETRAS pic.twitter.com/2NgMG7wTvV
— feliz da TJU (@lovatovoski) June 27, 2022
Naturalmente, são animais predadores que comem desde frutas, folhas, raízes, seiva, insetos, ovos de passarinhos, filhotes das aves e até adultos machucados. Contudo, os primatas, que são quase todos saguis e macacos-pregos, registram cada vez mais problemas de saúde graves devido à alimentação inadequada.
“Isso é um problema muito antigo. […] As pessoas oferecem alimentos como o próprio almoço, biscoito, refrigerante, energético, bebida alcóolica e doce porque têm curiosidade. Também, os animais pegam restos de alimentos dos lixos ou roubam dos alunos”, explicou a professora da Escola de Veterinária e Zootecnia da universidade, Luciana Batalha.
Também presentes nos parques da capital, em 2019, uma pesquisa da Agência Municipal do Meio Ambiente (AMMA) apontou que cerca de 90% sofre de altas taxas de glicemia – o que indica o desenvolvimento de diabetes. “Tudo que você vê em um ser humano com alimentação ruim pode ser notado nos macacos”, destacou a professora.
Além de diabetes, doenças da cavidade oral como cáries, obesidade e hipertensão acometem os animais. Vale destacar, ainda, que a busca pela comida também oferece um risco à vida, visto que colocam as mãos em latas, o que amputa dedos e causa necroses que podem ser fatais, além do atropelamento dos bichos.
O excesso de comida também desequilibra o ecossistema, visto que a reprodução se torna mais acelerada e, com isso, a predação de alimentos que também são consumidos por outros animais, que pagam o preço. Antes da pandemia do Covid-19, eram cerca de 70 indivíduos, o que diminuiu para aproximadamente 50 no período que o campus estava vazio.
Os humanos, por sua vez, também são afetados por esse cenário, devido à proximidade genética com os macacos. “Podemos ter uma troca de doenças com eles. Uma pessoa que tem uma tuberculose ou herpes labial que está comendo uma banana pode dar a um macaco e transmitir a doença, que é fatal para eles. Ele levará a fruta para os demais, então uma banana pode dizimar um bando inteiro”, disse Luciana.
O inverso também ocorre, sendo possível adquirir uma série de vírus e bactérias quando se tem um contato frequente com os animais, embora não sejam fatais para os humanos.
Desafio
A professora destaca que a solução não é fácil. “É turístico de Goiânia levar a família para alimentar os macacos. Tem pessoas que vão para o campus para isso”.
Ela aponta que a UFG já tentou diversas medidas para atenuar o problema, como palestras com alunos, reuniões com professores para divulgar os cuidados, panfletos, outdoors, cartazes. Contudo, o público é volátil, com a entrada e saída de milhares de alunos e visitantes todos os dias, o que dificulta atingir a todos.
“Teríamos que ter um trabalho intenso de educação ambiental, tanto no campus quanto nos parques, que têm os mesmos problemas. É uma questão muito prejudicial”, finalizou.
*Colaborou Caio Henrique.