Da agricultura ao convívio com urubus: como lixão da Prefeitura destruiu a vida de família em Anápolis
Local que era conhecido pelas árvores, nascentes e animais, foi completamente transformado e tomado pelo "cheiro de morte"
Ao longo da maior parte da vida, era do cultivo da terra e da criação de animais que Rosana Ferreira, anapolina de 57 anos, conseguia, juntamente do marido, tirar o sustento para alimentar a família.
Moradora, há 23 anos, na Chácara Capão do Açude, localizada abaixo do bairro Jardim Primavera, região Leste de Anápolis, ela conta que tudo mudou quando, em 2019, a Prefeitura instalou um aterro sanitário no local.
Desde então, ela afirma que, por conta da irresponsabilidade e falta de planejamento do poder municipal, toda a região foi poluída, com lixo, chorume e dejetos – que impossibilitaram, por completo, as atividades de agricultura e pecuária no local.
“Nunca precisei da ajuda de ninguém quando eu tinha minha terrinha. Plantava meus vegetais, minhas frutas, vendia o que sobrava. Criava galinha, porco, boi. Agora não tem nada, até minhas filhas foram embora porque não aguentavam mais. Sobrou só eu, meu marido e os urubus”, lamentou.
Rosana conta que assim que o lixão passou a ocupar o terreno, os vazamentos de materiais nocivos contaminaram o solo e as nascentes do local. Com a criação de animais ficando cada vez mais complicada, por conta das doenças que os acometeram, ela vendeu os que conseguiu. Os demais, faleceram pouco tempo depois.
“Perdi um monte de bois por conta de doenças. As galinhas foram todas mortas por causa dos cachorros que moram lá no aterro, eles entravam de noite e rasgavam elas”, revelou.
Além disso, por conta da falta de planejamento da instalação, a anapolina contou que as cinco represas da região ficaram inutilizáveis. As que não secaram, ficaram completamente poluídas.
No registro feito por ela, é possível ver uma dessas concentrações de chorume, de tamanho tão expressivo que poderia, à primeira vista, realmente parecer um lago.
Rosana afirma ainda que, além da norma legal que estipula a distância entre o aterro e a chácara não ter sido respeitada, a permanência do lixão na área, que ela garante ser protegida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA), põe em rico a biodiversidade do local.
“Aqui tem um monte de palmeira, de palmito, sabe, que é protegida. Ninguém plantou elas aqui, nasceram sozinhas. Aqui tem tamanduá, tem um monte de animal silvestre que está ficando doente e morrendo”, lamentou.
“Era um paraíso, cheio de bicho, bonitos. Agora, o ar tem cheiro que dói, tem cheiro de morte”, confessou.
Agora, sem a principal fonte de sustento, ela e o marido estão ficando cada vez mais endividados, pois precisam lidar com todas as despesas da casa apenas com a aposentadoria.
Sem decisão na Justiça
Em 2019, Rosana e o marido ingressaram em uma ação contra o município, buscando uma resolução para o problema. Desde então, o processo vem se arrastando em meio à burocracia da Justiça.
“Foram quase cinco anos já, que não sai um resultado, um nada. Não é algo que tenha como esperar, todo dia eu acordo com esse cheiro, não consigo plantar nada, querem que eu morra?”, se desesperou a moradora.
A última atualização do processo foi a solicitação para um perito vistoriar o local. Entretanto, há mais de cinco meses, o caso não foi para a frente, com o profissional ainda não comparecendo ao local.
A reportagem questionou a Prefeitura de Anápolis acerca do caso, mas – outra vez – não obteve qualquer tipo de resposta.
*Colaborou Caio Henrique.